domingo, 25 de janeiro de 2015

O que a favela de Paraisópolis ganha sendo cenário da nova novela da Globo?



Postado em 25 jan 2015
Paraisópolis
Paraisópolis

Quando o chefe da polícia civil do Rio Hélio Luz chamou Spike Lee de otário, foi deselegante, demonstrou desinformação, faltou com urbanidade e pagou caro pelo que disse.
Foi em 1996, durante a gravação de um famoso clip de Michael Jackson produzido pelo diretor negro norte-americano no Morro Dona Marta. Lee confessou ter pagado a traficantes para que a gravação não fosse surpreendida com problemas alheios ao set de filmagens e, para surpresa do xerife Hélio Luz, o número de seguranças contratados pela produtora era maior que o de policiais.
No Brasil, morros, grotas e favelas têm seus códigos de ética e conduta. A polícia sabe disso e a mão que recebe da produtora aqui pode receber acolá.
Caminhando pelos becos, vielas e ruas sempre estreitas de Paraisópolis, em São Paulo, não há como não notar o grande número de empresas, muitas delas multinacionais, que investiram alguns reais ali e estampam suas logomarcas de forma muitas vezes agressiva nas entranhas do bairro pobre localizado na zona Oeste, a poucos metros do palácio do Governo.
Quatro grandes bancos operam em meio à desorganização do trânsito e dos passeios públicos de Paraisópolis. O aluguel de espaços comerciais pode custar tranquilamente até 50 reais mensais o metro quadrado.
Agências de viagens locais anunciam suas promoções de passagens aéreas num carro de som que se desloca freneticamente pela comunidade onde moram aproximadamente 100 mil pessoas.
Mas como isso tudo virou a nova novela das sete da Globo?
A questão é antes de tudo mercadológica. Como não há no momento nenhuma trama da emissora ambientada em São Paulo, é praxe recorrer a este expediente visando alavancar audiência no mais importante mercado publicitário do país.
“Paraisópolis Forever” é o título provisório do novo folhetim.
A Globo chegou um pouco tarde a Paraisópolis, mas a tempo suficiente de glamourizar a quebrada paulistana e consolidar o círculo vicioso da teoria dos governos que distribuem o leite gratuitamente para ajudar o pecuarista  e não exatamente a população.
Ainda assim, vai ter que negociar de alguma maneira para que Bárbara Paz, Daniele Winitz, Bruna Marquezine e grande elenco não sejam surpreendidos no set de filmagens. Afinal, morros, grotas e favelas têm seus códigos de ética e conduta.
Spike Lee sabia disso e a Globo sabe melhor ainda.
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Mário Luiz Cortes
Sobre o Autor
Pesquisador, líder popular, foi dirigente da CONE, Coordenadoria dos Assuntos da População Negra (PMSP) em São Paulo

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