segunda-feira, 19 de junho de 2017

Trump e Brexit sinalizam 'fim de ciclo', dizem participantes de audiência pública

   
Da Redação | 19/06/2017, 21h25 - ATUALIZADO EM 19/06/2017, 21h37
Fenômenos como a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e a saída do Reino Unido da União Europeia (processo conhecido como “Brexit”) sinalizam um “fim de ciclo” na geopolítica internacional e a inauguração de uma nova ordem. Essa é a conclusão dos convidados da audiência pública realizada nesta segunda-feira (19) pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE).
Os convidados ressaltaram que ainda não é possível prever que tipo de configuração geopolítica emergirá desses novos fatos. Eles apontaram, no entanto, que já é possível observar que a balança de poder que vinha sendo hegemônica nas últimas décadas está em xeque.
O ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim afirmou que o enfraquecimento do bloco europeu, com a defecção britânica, pode ter consequências que extrapolem as relações econômicas entre os países – e que extrapolem, inclusive, o continente europeu.
- Projetos de integração são instrumentos econômicos, mas são predominantemente políticos. São projetos de afastamento da possibilidade de conflito. Vamos ter que analisar, para além das perdas comerciais, até que ponto a saída do Reino Unido representa ou não o enfraquecimento de uma estrutura de paz mundial - disse.
Em relação ao governo Trump, Amorim avalia que as movimentações iniciais do novo presidente sugerem uma desestabilização da atual ordem mundial, que tem nos Estados Unidos o seu principal patrocinador, mas sem deixar para trás a política America first (“Estados Unidos em primeiro lugar”).
O ex-ministro também observou que as políticas de Trump podem beneficiar o Brasil. Para ele, o fim da parceria Transpacífico é positivo, pois esse tratado faria o Brasil (mesmo não fazendo parte dele) renunciar a muitas autonomias econômicas para se adequar ao novo mercado local. Além disso, explicou Amorim, a figura pouco carismática ou agregadora de Trump pode impelir os países sul-americanos a se unirem entre si.

Interrogações

O professor Klaus Dalgaard, que ensina Política Internacional na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), analisou o Brexit como um movimento que deve ser considerado um “caso à parte”, uma vez que o Reino Unido sempre teve uma postura isolacionista perante o resto da Europa. Além disso, explicou ele, as posições pró e contra o abandono da União Europeia se inverteram entre as forças políticas britânicas ao longo dos anos.
Por causa dessas particularidades, ele considera a questão do Brexit como um “cenário de interrogações”. O acordo de separação, desenhando as novas relações entre o Reino Unido e a União Europeia, precisa estar concluído até o fim de março de 2019. Segundo explicou o professor, o panorama de negociação não é simples e a volatilidade política é alta – caso qualquer um dos outros 27 membros rejeite as condições estabelecidas, a saída britânica será total, o que significa um grande abalo no continente.
- A melhor solução possível para o Reino Unido é um acordo interino, pelo qual o país participaria do mercado comum sem representação nas decisões supranacionais, enquanto se ganha tempo para negociar um acordo mais detalhado que não seja tão nocivo quanto a saída total - afirmou.
Dalgaard explicou que o atual governo do Partido Conservador está em posição de fragilidade após perder, nas eleições do último dia 8, a maioria absoluta que detinha no parlamento. A primeira-ministra Theresa May precisou montar um governo de coalizão e, assim, perdeu a liberdade de conduzir a negociação do Brexit nos seus próprios termos.

Novos polos

O professor Guilherme Sandoval Góes, coordenador da pós-graduação em Direito Público da Universidade Estácio de Sá, disse que o quadro geopolítico global firmado após o fim da Guerra Fria está em “desconstrução”, e o principal resultado disso pode ser a dissolução dos polos de poder que se observavam nas últimas três décadas.
Esses polos eram três: o americano, encabeçado pelos Estados Unidos; o europeu, consolidado na União Europeia, e o asiático, que tinha o Japão como principal potência. Além da mudança da orientação dos Estados Unidos com Trump, sinalizando maior isolamento econômico, e do Brexit, que desestabiliza a Europa, a ascensão da China como potência global pode reposicionar os polos de poder.
O ex-ministro Celso Amorim disse que, no cenário antigo, os Estados Unidos figuravam como potência hegemônica mundial mas exerciam a sua influência de forma multilateral, integrando outros países em suas decisões – assim, mantinha-se certo equilíbrio. Isso pode vir a mudar, segundo ele, com as atitudes mais autonomistas de Donald Trump.
Essa postura, chamada de multilateralismo afirmativo, era, na concepção de Amorim, um dos pilares do sistema pós-Guerra Fria, junto com o capitalismo liberal e a democracia ocidental. Esse sistema, segundo ele, é o que está posto em dúvida diante dos novos fenômenos políticos e econômicos internacionais.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

Nenhum comentário:

Postar um comentário