A volta à vida da Chapecoense
AFP / NELSON ALMEIDATime da Chapecoense antes de partida da Copa Sul-americana em 13 de setembro de 2017
Há dez dias, o vestiário da Associação Chapecoense de Futebol voltou a festejar aos pulos, com camisetas para o alto e a doce adrenalina da vitória. Quase um ano após a tragédia que o deixou em frangalhos, o clube garantia sua permanência na primeira divisão do Brasileirão.
Mais uma vez, o "Furacão" do oeste havia superado as adversidades e sobrevivido.
O grito da torcida, "Vamos, vamos, Chape" não soava tão alegre desde 23 de novembro de 2016, quando o time pequeno invadiu, eufórico, o mesmo vestiário, após se classificar para a final da Copa Sul-americana.
Era a melhor noite da história do clube catarinense e a última de uma geração.
Cinco dias depois, o avião que os levava para disputar a final caiu em Cerro Gordo, região montanhosa de Medellín, na Colômbia, transformando a história de conto de fadas em uma das maiores tragédias do esporte mundial. Setenta e uma pessoas morreram, quase todas integrantes do clube - 19 jogadores, 14 membros da comissão técnica e nove dirigentes -, além de 20 jornalistas. Houve apenas seis sobreviventes.
Mas nem em meio ao choque o time de Chapecó pensou em se render.
"A gente resolveu tentar achar uma maneira, uma forma para seguir adiante. Foi com muita dor, com muito sofrimento, mas em nenhum momento se pensou em parar com o futebol. É lógico que em algum momento a gente pensou, 'Será que vamos conseguir?', mas a gente conseguiu", contou por telefone à AFP Nivaldo Constante, gerente de futebol do clube.
Goleiro veterano da Chape, Nivaldo não viajou a Medellín por ajustes de última hora. Ele soube do acidente em casa e, como a todos dali, a notícia mudou sua vida.
Ainda abalado com a morte dos companheiros, Nivaldo pendurou as luvas para trabalhar na reconstrução do time. A nova temporada começaria em um mês e a 'Chape' não tinha quem colocar em campo. Precisavam dele no escritório e a postos no telefone.
"Foi com muita luta. A gente ficou vários dias, 20 praticamente, das 8 da manhã às 10 da noite atrás de pessoas, atrás de atletas, e no dia da apresentação, nós apresentamos 22 atletas. Foi um momento muito complicado, mas a gente conseguiu fazer a apresentação da nova equipe da Chapecoense", conta, relembrando aqueles momentos de angústia.
Em 21 de janeiro, a Chapecoense voltava à Arena Condá para enfrentar o Palmeiras, em um amistoso que começou com uma emocionante homenagem às vítimas e a entrega da Copa Sul-americana, concedida a pedido do Atlético Nacional, clube colombiano que a Chape enfrentaria na final que nunca disputou.
"Foi um dia de muita emoção, de dor. Cada familiar recebeu a medalha da conquista da Copa Sul-americana e o choro foi inevitável. Afinal, era a primeira vez que sentia essa dor pessoalmente", lembrou por e-mail o jornalista Rafael Henzel, que menos de dois meses depois de ter sobrevivido à tragédia em Medellín, narrou o jogo por rádio.
- O milagre Ruschel -
O frenético futebol moderno não espera ninguém e poucos dias depois a Chapecoense voltava ao campeonato catarinense, que acabaria vencendo.
Quase ao mesmo tempo, o time que há apenas oito anos disputava a quarta divisão estreava com vitória na Libertadores, disparando as expectativas da retomada. Mas a dura realidade não demoraria a reencontrar o 'Verdão do Oeste', que seria eliminado do torneio por um erro de escalação, antes das decepções na Copa do Brasil e na Sul-americana.
Descontente com o jogo, a torcida na Arena Condá protestou e, na sequência, Vagner Mancini, primeiro, e depois seu substituto, Vinícius Eutrópio, foram demitidos deixando a Chape na zona de rebaixamento.
Mas, enquanto a reconstrução se dificultava em campo e os familiares de algumas vítimas denunciavam a desatenção do clube, a Chape continuava recebendo homenagens em várias partes do mundo, equilibrando luto, agradecimento e a necessidade de seguir adiante.
Uma das homenagens mais impactantes ocorreu em 7 de agosto, em Barcelona, onde, aplaudido por Messi, Suárez e companhia, Alan Ruschel fez seu retorno ao futebol. Em 252 dias, o lateral tinha saído de sobrevivente do inferno em Cerro Gordo à volta aos gramados no Camp Nou, em uma recuperação quase milagrosa.
"Alan Ruschel iluminou a vida de muitas pessoas pela esperança e superação que demonstrou", lembra Henzel, que em sua conta no Twitter tem duas datas de nascimento: a real, em 1973, e a mais recente, 29 de novembro de 2016.
- Irmãos -
Também renasceram ali o goleiro Jakson Follmann, que perderia depois uma perna, e o zagueiro Helio Neto, que ficou quase um mês internado.
Ao lado de Ruschel, os dois se tornaram os pilares da reconstrução de uma equipe que se espelha neles. Ainda muito frágil, em 6 de janeiro Neto foi de muletas receber os novos jogadores para dar-lhes as boas-vindas em seu vestiário.
Era urgente voltar a viver, a jogar.
Enquanto isso, Follmann continuava no hospital, mas o abatimento não combina com este jovem de sorriso largo e pressa para seguir adiante.
No ano em que teve que reaprender a andar, Follmann se tornou embaixador do clube e, com seus 'irmãos' como padrinhos, casou-se com a namorada, Andressa, em uma grande festa que o acidente os forçou a adiar.
Os três voltariam a se abraçar e a cantar o "Vamos, vamos, Chape" no dia em que a Chape garantiu a vaga na primeira divisão, no mesmo vestiário onde haviam comemorado tanto um ano atrás.
Nada mais é como antes, mas tanto eles quanto a Chapecoense continuam vivos.
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