sábado, 27 de junho de 2020

Obrigada fio dental

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*por Claudia Queiroz
Você já parou para pensar na finitude da sua vida? Todos nós sabemos que um dia iremos morrer, mas dificilmente nos preparamos para isso. Farei o relato de uma experiência recente, vivida por mim nesta semana, onde a sensação de um problema aparentemente importante me acendeu alerta a respeito da minha própria existência (e da validade dela).
Exames laboratoriais de rotina identificaram algo supostamente grave. Meu marido, médico, prontamente sugeriu que o exame fosse realizado logo. Havia a necessidade de preparo com dieta restritiva e muitas horas sem dormir. Dois dias antes, a família toda me acompanhava nas limitações à mesa. Nada de frutas, verduras, legumes, fibras, integrais e cores escuras…
O preparo também exigia 4 litros de água em menos de 12h, misturadas às fórmulas de gosto horrível para promover limpeza intestinal e identificar a presença de pólipos ou algum tipo de tumor, geralmente causadores do motivo disso tudo: o resultado positivo para “sangue oculto nas fezes”.
Sabendo que não iria dormir, comecei a assistir uma série no Netflix, na sala de TV, onde teria um banheiro exclusivo para mim por toda aquela madrugada. De repente chegou meu marido, que decidiu dormir no sofá, só para ficar perto.
Aquele amor todo, de saber estar presente, me inundou o coração de coragem. Independente do resultado, eu não estava sozinha. Esse era o diagnóstico mais positivo que eu poderia ter da vida! Além dele ao meu lado, a filhotinha de 3 anos, que só sabe dar amor…
A preparação para a colonoscopia foi repleta de suspense imaginário. Sabemos que o cérebro não identifica o que é real das ilusões… Mas meu avô morreu com problemas de câncer no intestino. Alguns tios também se foram por essa doença malvada… Existia um eco de genética assombrando meus pensamentos e a consciência de que teria que lutar.
Eu já flertei com a morte em outras épocas, mas nunca senti medo de atravessar a ponte como hoje.  Provavelmente porque agora tenho mais motivos para viver. Eu preciso cuidar da minha filha para que ela cresça segura, saudável e feliz…
Percebi que o medo de ter um câncer me trouxe mais paciência, doçura, criatividade e vontade de fazer meu melhor. Também me mostrou como a gente pode relevar o que não gosta ou não concorda com mais tolerância, porque nem sempre vale à pena entrar em combate por coisas tão pequenas…
Planejei mentalmente as pendências que precisaria resolver com mais urgência, caso o cronômetro fosse acionado para uma reta final.
Mas era só um exame. A confirmação que identificaria o tamanho do monstro. Eu já me preparava para escolher minhas armas… Acredito que isso seja planejamento estratégico para uma visão de futuro.
Acordei cedo, fomos para o hospital, realizamos o procedimento e nada foi encontrado de irregularidade. Absolutamente saudável. Uma necessidade urgente de celebrar os hábitos de vida que adotamos em casa e que me ajudam a enfraquecer a hereditariedade de qualquer doença.
Mas e o sangramento oculto? Segundo os médicos especialistas que estavam comigo, possivelmente uma passada de fio dental fez com que a gengiva sangrasse um pouco e… Meu sofrimento foi à toa? Não, absolutamente. O alerta serve para reavaliar a importância de cada detalhe da rotina, como a prontidão do marido, a escolha dele em estar ao meu lado enquanto eu passava horas bebendo aquela solução, indo ao banheiro a cada 5 minutos, as demonstrações de amor que minha filha espontaneamente me da diariamente, aos meus pais e irmãs na torcida pelo melhor e ao legado que estamos deixando de consciência para tanta gente, com textos reflexivos e um programa diário na rádio, que promovem bons pensamentos.
Desenvolvimento pessoal vai bem além de teorias. É, de fato, trazer para as práticas da vida em forma de atitudes e comportamentos de bem-estar com o nosso melhor sempre, como se não houvesse amanhã.
É por isso que dançar com a filhinha no colo, fazê-la dormir com beijo nas costas ou deliciosas ‘bitocas’ na bochecha cheia de colágeno, cozinhar algo bem gostoso ouvindo música alta e tomando uma tacinha de vinho tinto, abraçar meus pais, conversar com amigos, trocar confidências com minhas irmãs, apoiar e acarinhar meu marido, dentre tantas outras coisas, são essenciais para nutrir o coração.
Afinal de contas, se minha hora de partida estivesse próxima, seriam essas lembranças que estariam arrumadas na bagagem. Então a meta é organizar uma mala com o peso máximo permitido, para embarcar na última chamada, plena de luz, em paz, partindo e sabendo ficar como semente.
Claudia Queiroz é jornalista.

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