sexta-feira, 4 de junho de 2021

 

Criança tem que dormir sozinha?

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*por Claudia Queiroz

Acho que fui uma das últimas, dentre minhas amigas, a ser mãe. Ouvi muito das histórias de maternidade antes de me desvendar por esse infinito particular. Certa vez, uma delas me disse que precisava comprar uma cama maior para que o filho não caísse no meio da noite. Achei graça. Outra me contou que empurrava a própria cama contra a parede para acomodar a filha… Fiquei surpresa. Filhos hoje dormem com os pais? Como assim?

Quando eu era criança, o encerramento do telejornal com aquele clássico “Boa Noite” era praticamente a ordem que tínhamos que ir pra cama. As nossas camas. Minha e das minhas irmãs. Porque a dos nossos pais era sagrada, distante e indisponível, a não ser que estivéssemos doentes. Uma espécie de prêmio de consolação para amenizar o sofrimento infantil das viroses ou acidentes de travessuras que aconteciam com certa frequência. Mas deitar ali era por algumas horinhas a tarde. Nunca pra passar a noite com eles.

Por isso, me imaginar recebendo a filhinha no meio da noite soava como algo quase improvável, distante ou ilógico. Respostas variadas de conforto moral faziam tremendo barulho mental. Ficaria mimada? Sem limites? Não saberia o lugar dela? E a privacidade do casal? O quarto dela é ao lado e ponto final. Só que não. A vida real quebra todos os roteiros pré-estabelecidos. Há quatro anos e meio vivo muitas das reticências dessa verdade, e posso garantir que já não é mais a mesma de antigamente. (Risos)

Esta noite, por exemplo, a filhotinha chegou eram 1:33am. Eu estava naquele sono profundo e gostoso de uma madrugada fria de outono curitibano. Acordei de sobressalto achando que havia perdido a hora e que já era manhã. Estava ela paradinha ao lado da cama dizendo estar com medo. De que? Nem perguntei, vem. Estava sem forças para dizer não. E deveria?

Ela se aninhou no meio da cama quentinha e logo adormeceu. Fiquei naquele dorme acorda por diversas vezes, feito curto-circuito, até que a pequena carregou as próprias energias e estava novinha em folha para ver o sol nascer da janela da sala.

Ainda antes de levantar, faceira que só, tagarelou fazendo cafuné enquanto cantava uma canção para eu adormecer: “brilha, brilha, estrelinha, quero ver você brilhar”.. Aquela voz de anjo, doce e suave, era perfeita para a melhor fase do sono, que sempre acontece quando todos já levantaram.

Avaliando melhor, eu poderia tê-la feito voltar para o quarto dela, afinal lá é o lugar certo para descansar. Mas não consegui. Além das minhas forças, havia um instinto de pertencimento materno, de proteção, que não me permitiu tamanha crueldade. A natureza é sábia. Nosso lugar é perto da cria. Longe, não sobreviveriam.

Teorias ultrapassadas e cheias de TEM QUE nos afastam da natureza da criança, que busca afeto, contato e segurança. Necessidades básicas de uma menininha que não tem escolhas quando sente medo do escuro ou de algum barulho… Tudo o que ela precisa é buscar a proteção dos pais para superar essa dificuldade.

Mas ela vai crescer dependente, insegura, medrosa, etc etc etc? Claro que não! Pelo contrário! Vai saber que pode contar com os pais para todas as situações e que não estará sozinha nos dilemas que a vida apresentar. Esta é a questão!

Crianças que se calam para não incomodar os adultos tendem a ser inseguras, com problemas de autoconfiança e muitas vezes sofrem por não ter com quem contar, adotando eternamente na vida uma postura de independência extrema. Porque não sabem compartilhar, dividir, confiar. E isso tudo pode ter começado quando foi expulsa do ninho. Forte hein?

Dormir com uma criança se debatendo e girando na cama não é fácil, nem ideal para o que consideramos ser “o sono dos justos”. Mas faz parte do processo de amadurecimento dela. Cabe a nós, tomarmos algumas doses de café a mais para darmos conta no dia seguinte.

Afinal, existem problemas bem mais graves que esse quando deixamos lacunas no coração de um filho. Daí perder o sono à noite pode virar rotina de assombração e suspense. Não há nada mais seguro para uma criança que o abraço dos pais. Acolha seu filho no ninho, na cama, colo e coração. É pra isso que ganhamos a procuração de anjos deles. Na hora certa, saberão que podem voar e voltar. Porque amor é assim.

Claudia Queiroz é jornalista.

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