segunda-feira, 5 de julho de 2021

 

Gaudium news Tomás Luís de Victoria: o compositor sacro

Tomás Luís de Victoria: o compositor sacro

Considerado um dos maiores compositores do “século de ouro”, Victoria soube unir seus excepcionais dons artísticos à mais profunda e pura piedade católica, em meio ao crescente neopaganismo renascentista.

Redação (04/07/2021 10:40Gaudium Press) Nasceu na cidade de Ávila por volta de 1548. Seus pais, Francisco Luis de Victoria e Francisca Suárez de la Concha, deram ao menino o nome de Tomás, ao qual ele mesmo acrescentaria mais tarde os sobrenomes de seu pai, como era de costume na Espanha antiga.

Desde pequeno, Tomás Luis de Victoria teve de enfrentar sérias dificuldades como a morte de seu pai, quando contava apenas 9 anos, além das dificuldades financeiras pelas quais passou sua família. Foi então que seu tio, o sacerdote Juan Luis de Victoria, tomou sob sua tutela os 10 filhos de seu falecido irmão, aos quais deu boa formação intelectual e espiritual – que Tomás completaria mais tarde no colégio jesuíta de San Gil, em Ávila. Alguns historiadores levantam a hipótese de que a própria Santa Teresa de Jesus (1515-1582) tivesse indicado a escolha deste colégio ao menino e mantivesse relações com sua família, à qual era também aparentada.[1]

Na catedral de Ávila

As catedrais espanholas foram os principais centros de vida musical na Espanha desde a Idade Média até bem entrado o século XIX”,[2] e foi na de sua própria cidade onde, em 1557, Tomás iniciou sua carreira musical como menino cantor. Aliás, dotes musicais já haviam se manifestado muito antes, o que determinou, paralelo às necessidades econômicas de sua família, sua entrada no coro, o qual remunerava seus membros.

Entretanto, mais do que apenas cantar, Victoria ia adentrando de corpo inteiro naquela esfera, dir-se-ia sobrenatural e mística, da música polifônica que, na catedral abulense, teve como propulsor Cristóbal de Morales (1500-1553), grande mestre da polifonia sacra. Foi ainda por esta época que Tomás aprendeu a tocar o órgão, instrumento que gostava enormemente e que tocou com perfeição até sua morte.

Na capital da Cristandade

Ao completar 17 anos, Victoria parte para Roma levando uma excelente formação musical, mas sobretudo um desejo que trazia consigo desde menino: o sacerdócio. Foram os jesuítas de San Gil que lhe indicaram o Collegium Germanicum, instituição fundada com o objetivo de formar seminaristas vindos da Alemanha, mas que logo passou a aceitar alunos de todo o mundo. Foi ali, como também no Seminarium Romanum, onde Tomás dedicou-se sem reservas aos estudos, como escreveria mais tarde a Felipe II: “Desde o dia em que (…) cheguei a Roma, além de outras nobres ocupações (…) as quais me entreguei, dediquei muito esforço e preocupação pela arte musical”.[3]

Além dos estudos, fez parte da capela musical[4] do Seminarium, cujo maestro era o renomado compositor Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594), o qual exerceu sobre ele grande influência, perceptível sobretudo em suas primeiras composições.

Primeiras obras

Em 1569 Victoria decide deixar o Collegium Germanicum, e parte em busca de ocupações autônomas, as quais encontra na função de mestre de capela e organista em Santa Maria de Monserrato; foi aí que compôs sua primeira obra: Motecta, uma compilação de 33 motetes,[5] dedicados em sua maioria à Santíssima Virgem – dentre os quais figura o seu famoso Ne Timeas –, de excelente repercussão em Roma e em toda a Itália. De tal forma suas produções eram caracterizadas por algo de novo, genial, que grandes mestres reconheceram as qualidades daquele jovem seminarista, de apenas 23 anos.

Em 1571, o geral dos jesuítas, São Francisco de Borja (1510-1572), o nomeou professor de canto gregoriano no próprio Collegium Germanicum, donde tinha saído como aluno apenas 2 anos antes, e sendo também no Seminário Romano.

Ordenação e um encontro providencial

Por fim, completados os 10 anos de estudos preparatórios, Victoria recebe solenemente o sacramento da Ordem. Realizavam-se assim seus maiores desejos: trazer Deus à Terra e elevar os homens ao Céu. E ele poderia realizá-lo sobremaneira pois, de certa forma, suas melodias já o faziam.

O certo é que, apesar de suas obrigações como sacerdote, não diminuiu as atividades musicais, as quais nunca comprometeram a prática das funções sagradas.

Porém, em 1578 a vida de Tomás passaria por uma grande mudança. Antes mesmo de deixar a Espanha, Victoria ouvira falar de um sacerdote florentino chamado Filipe Néri (1515-1595), fundador de uma congregação religiosa, o Oratório, a qual pôde conhecer de perto em Roma. Atraído pela sua surpreendente vitalidade, profunda piedade, e quiçá também pelo seu bom gosto musical, Victoria logrou conseguir o ofício de capelão de uma das casas do Oratório, onde viveu com S. Filipe Néri por mais de 7 anos. Estes anos de “retiro” foram dos mais produtivos de sua vida, tanto espiritual como musicalmente, pois publicou 6 coleções musicais, cada qual com mais de 20 motetes e Missas.

Officium Hebdomadae Sanctae

Foi no Oratório de S. Filipe Néri onde Victoria compôs sua obra-prima – fruto, sem dúvida, de muita piedade e contemplação: o Officium Hebdomadae Sanctae, um conjunto de 37 peças polifônicas escritas sobre o novo texto tridentino dos ofícios de Semana Santa, conhecido como Ofício de Trevas.

Nesta obra, Victoria interpretou de modo incomparável todos os aspectos da liturgia dos dias santos, em especial a Sexta-Feira da Paixão, usando métodos novos de composição, como por exemplo, no responsório Amicus Meus – trecho que narra a traição e suicídio de Judas –: colocou sílabas tônicas em contratempos, dando a ideia da terrível confusão que se apoderou do traidor fazendo-o consumar seus pecados na forca.

Todo compositor, ainda que implicitamente e sem intenção, imprime algo de si próprio em sua música. No Officium Hebdomadae Sanctae transparece um Victoria cheio de amor, desligado das coisas mundanas, místico propriamente. A Paixão de Cristo é sem dúvida superior a todo pincel; mas Victoria conseguiu exprimir como ninguém este supremo mistério. Quem ouve esta composição é até levado a pensar que seu autor procurou consolar o Redentor com suas melodias.

A Vós, Deus, Suma Trindade, louve todo espírito. Àqueles que salvais pelo mistério da Cruz, guiai pelos séculos”,[6] foram as únicas palavras que ousou escrever de dedicatória.

Regresso à Espanha

Havia já 20 anos que o compositor deixara a sua terra, e seu retorno foi causa de grande alegria; inúmeras vezes os coros das catedrais espanholas haviam tentado trazê-lo de volta, mas, por humildade, esperou o fogo dos primeiros sucessos baixar para finalmente retornar.[7] Rejeitou até mesmo o prestigioso cargo de mestre musical na catedral de Sevilha, oferecido por seu amigo Francisco Guerrero.[8]

Tomás se estabeleceu em Madrid, onde assumiu a capelania da imperatriz viúva Maria[9] no convento das Descalzas Reales. Além de sacerdote e confessor, esporadicamente fazia às vezes de mestre de capela em ocasiões mais solenes. Diz-se que o próprio rei Felipe II (1527-1598), e posteriormente Felipe III (1578-1621), acudiam ao convento só para ouvir e ver aquele que era considerado então o melhor músico de todo o Império Espanhol.

O “canto do cisne”

Em 1605 vem a lume o seu consagrado Officium Defunctorum, uma Missa de Requiem dedicada a título póstumo à falecida Imperatriz Maria. Nela parece comunicar mais do que a seriedade da morte e suas tristezas, a recompensa prometida aos fiéis nos céus.

Curiosamente, ele mesmo definiu essa composição como sendo seu “canto do cisne”, prognóstico cumprido à risca, pois foi efetivamente sua derradeira obra. Por fim, em 27 de agosto de 1611, aos 63 anos de idade, Tomás Luís de Victoria entregou sua alma Àquele de quem cantou tão bem as glórias e dores em vida.

Ao contrário da maioria de seus contemporâneos, Victoria tem o mérito de ter escrito exclusivamente para a Igreja, não se encontrando uma única composição em sua obra que não seja música sacra, o que não acontece, por exemplo, com o próprio Palestrina. Comparado a outros compositores, Victoria não escreveu muito, não obstante tenha colocado em música quase a totalidade da liturgia.

Grande e glorioso é o legado que Tomás Luis de Victoria deixou na Igreja, mas muito maior ainda é ter sido um filho fiel dela, consolador e intérprete dos Corações de Jesus e Maria.

Por André Luiz Kleina

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