A QUEDA DE BORIS JOHNSON EM REDUTO CONSERVADOR!
(The Economist/O Estado de S. Paulo, 19) A eleição para o posto vago na Câmara dos Comuns para a região de North Shropshire deveria ter sido fácil para os conservadores que governam o Reino Unido. Neil Shastri-Hurst era um candidato verdadeiramente conservador para um assento verdadeiramente conservador. Cirurgião que serviu ao Exército e posteriormente virou advogado, ele trajava jaquetas e blazers – um visual meio antiquado, talvez, dada sua meia-idade, mas que combinava com os vilarejos e propriedades rurais que ele visitava para angariar apoio.
História e demografia sugeriam que ele encontraria bastante respaldo em North Shropshire. Os limites da circunscrição tinham mudado, mas a região vinha elegendo conservadores continuamente desde 1832, exceto por um hiato de dois anos, após a vitória de um liberal, em 1904.
Owen Paterson, o parlamentar anterior, havia garantido 63% dos votos na eleição mais recente, em 2019, o melhor resultado em sua carreira de 24 anos. Os eleitores da região são mais velhos, mais brancos e mais pró-Brexit do que a média entre as circunscrições, o que tipicamente sugere um terreno favorável aos conservadores.
Mas não foi o que aconteceu. Na votação para preencher o posto, em 16 de dezembro, os eleitores escolherem a liberal-democrata Helen Morgan com 17.957 votos, ante 12.032 do rival. Foi uma derrota considerável para o governo: a fatia de 34,1% dos votos capturada do eleitorado conservador foi a maior desde 2014. Sir John Curtice, especialista em eleições da Universidade de Strathclyde, afirmou que, se esse fenômeno fosse um terremoto, sua magnitude seria de pelo menos 8,5 na escala Richter.
O desdobramento segue-se a uma vitória igualmente dramática dos liberal-democratas em Chesham e Amersham, que lhes garantiu o importante assento de Buckinghamshire, em junho. O significado disso para os conservadores é claro: se circunscrições como essas correm risco sob a direção de Boris Johnson, as deles também estão em perigo.
O partido de Johnson aceitou seu errático estilo de governo acreditando que ele é um cabo eleitoral inigualável. Esse entendimento está se rompendo. O partido tolera incompetência ou impopularidade. Ambas, não. Nenhum desafio à liderança de Johnson sobre o partido parece iminente. Mas, afirmou Geoffrey CliftonBrown, poderoso líder conservador, algum desafiante poderá se materializar se o primeiro-ministro não se acertar nos próximos três meses.
Oliver Dowden, copresidente do Partido Conservador, minimizou o resultado, qualificando-o como uma ressaca de meio de mandato. “Os eleitores de North Shropshire estão irritados e nos mandaram uma mensagem”, afirmou. Governos em meio de mandato perderem eleições para postos vagos na Câmara dos Comuns é a regra geral, e este resultado é um retorno à forma histórica para os liberal-democratas, que há muito são habilidosos competidores em eleições para postos assim.
Com frequência, essas vitórias se revertem para o partido governante em uma eleição geral – veja, por exemplo, as vitórias liberais em Richmond Park, em 2016, ou em Brecon and Radnorshire, em 2019.
Em outros momentos, porém, elas representam pontos de inflexão: sinais de que um primeiro-ministro é irrevogavelmente impopular, prenúncios de sua derrota eleitoral. Para Margaret Thatcher, o começo do fim foi uma eleição para preencher um posto na Câmara dos Comuns em Eastbourne, em 1990. Para John Major, foi Newbury, em 1993. Para Gordon Brown, Glasgow East, em 2008. A diferença entre um tropeço ou um presságio fica clara somente em retrospectiva. Mas a coisa não parece nada boa para Johnson.
A primeira razão é a prova de que os eleitores estão respondendo ao governo não com mera insatisfação, mas com aversão. Paterson deixou o Parlamento em desgraça. Em outubro, uma investigação constatou que ele trabalhou indevidamente como lobista enquanto era parlamentar e recomendou sua suspensão por 30 dias da Câmara dos Comuns.
Ele achou a decisão injusta, assim como Johnson, que pressionou seus parlamentares a votar para derrubá-la e reformar a comissão que tinha decidido. Tratou-se de um reflexo autocrático, impedido por imediatas reações contrárias em seu próprio partido. Johnson recuou. Paterson renunciou ao cargo.
Seria possível sobreviver a isso, caso o fato não tivesse ocorrido no início de um mês catastrófico, que permitiu aos liberal-democratas transformarem a disputa em um referendo a respeito do estilo de governo de Johnson. Durante um discurso para empresários, ele embarcou numa desconexa digressão a respeito da Peppa Pig, a personagem de desenhos animados.
O Partido Conservador foi multado por infringir a lei eleitoral, por não relatar devidamente uma doação que havia financiado uma reforma no apartamento de Johnson, em Downing Street. Revelou-se que festas foram realizadas na residência oficial e em instalações do Partido Conservador, no ano passado, durante os lockdowns para conter a pandemia.
Em 14 de dezembro, Johnson enfrentou uma grave rebelião de parlamentares contra as novas medidas contra a pandemia, que a oposição interpretou como um sinal de fraqueza. Enquanto isso, sua aprovação cai: o instituto Ipsos Mori indicou que Keir Starmer, do Partido Trabalhista, é considerado mais capaz para exercer o cargo de primeiro-ministro por uma margem de 13 pontos, a primeira vez que um líder trabalhista fica à frente nessa sondagem desde 2008. Menos de um quinto dos eleitores considera que Johnson tenha bom julgamento ou represente bem o Reino Unido no exterior.
A segunda razão para Johnson se preocupar é que o resultado sugere que a volatilidade que redefiniu a política britânica nos cinco anos recentes não se abateu. O triunfo eleitoral de Johnson em 2019 decorreu do enfraquecimento de antigas lealdades ao Partido Trabalhista em circunscrições nevrálgicas para a legenda. Esse resultado sugere que lealdades estão indefinidas também em bastiões conservadores e, com o divórcio da Europa já estabelecido, o Brexit deixou de ser um grito de união para os conservadores como era dois anos atrás.
Ainda assim, mais onipresente para o primeiro-ministro é a evidência de que os eleitores de oposição estão se organizando de maneira marcadamente eficiente, concentrando o voto no candidato capaz de vencer um conservador. Enquanto a fatia de eleitores liberal-democratas aumentou em North Shropshire, a do Partido Trabalhista, a principal legenda de oposição, caiu mais que a metade.
Um padrão similar foi percebido em Chesham and Amersham. Há evidências de uma discreta e informal cooperação: os trabalhistas mantiveram o assento em Batley and Spen em uma eleição para ocupar um cargo vago na Câmara dos Comuns, em julho, auxiliados por um leve toque da campanha liberal-democrata. E os trabalhistas não lutaram o quanto poderiam em North Shropshire, apesar de ter terminado em segundo lugar na disputa de 2019.
Esse balé faz sentido: o número de circunscrições em que liberal-democratas e trabalhistas são os principais rivais uns dos outros reduziu-se acentuadamente na última década, à medida que as regiões mais promissoras para cada partido se distinguiram cada vez mais. Se o agrupamento em torno de um único candidato de oposição visto em North Shropshire se repetir em outras circunscrições dominadas por conservadores, isso poderia ser fatal para eles. |
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário