Epifania: um convite a sermos gratos ao Senhor
Se aos Reis Magos Deus os chamou por meio da estrela, a nós Ele nos chama através de sua Igreja, com sua pregação, doutrina, governo e Liturgia. Logo, a Epifania é a festa que nos convida a agradecermos ao Senhor, como também a Lhe implorar a graça de sermos guiados sempre e por toda parte através de sua luz celeste.
Redação (02/01/2022 10:34, Gaudium Press) A Solenidade da Epifania era celebrada no Oriente já antes do século IV. É uma das mais antigas comemorações cristãs, bem como a Ressurreição de Nosso Senhor.
Não nos devemos esquecer que a Encarnação do Verbo se tornou efetiva logo após a Anunciação do Anjo; entretanto, apenas Maria, Isabel, José e, provavelmente, Zacarias tiveram conhecimento do grande mistério operado pelo Espírito Santo. O restante da humanidade não se deu conta do que se passava no período de gestação do Filho de Deus humanado. A Revelação feita pelos profetas era envolta em certo mistério que só após o testemunho dos Apóstolos se tornou evidente.
Epifania: público reconhecimento da divindade do Menino Jesus
Se, por assim dizer, no Natal Deus Se manifesta como Homem, na Epifania esse mesmo Homem se revela como Deus. Assim, nestas duas festas, quis Deus que o grande mistério da Encarnação fosse revelado com todo o brilho, tanto aos judeus como aos gentios, dado o seu caráter universal. No Ocidente, desde o princípio, celebrava-se o Natal a 25 de dezembro, e no Oriente, a Epifania a 6 de janeiro. Foi a Igreja de Antioquia, na época de São João Crisóstomo, que passou a considerar as duas datas. Só a partir do século V é que no Ocidente começou a se celebrar a segunda festividade.
Em nossa atual fase histórica, a Liturgia comemora a Adoração dos Reis Magos ao Menino Jesus. Por outro lado, ainda permanecem alguns vestígios da antiga tradição oriental que incluía na Epifania, além da Adoração dos Reis, o milagre das Bodas de Caná e o Batismo do Senhor no Jordão. Hoje, em nossa Liturgia, as Bodas de Caná não são mais contempladas, e o Batismo do Senhor é festejado no domingo entre os dias 9 e 13 de janeiro.
Em síntese, podemos afirmar que a Epifania, ou seja, a manifestação do Verbo Encarnado, não pode ser considerada desligada da adoração que Lhe prestaram os Reis do Oriente. Nesta cena está concernido um público reconhecimento da divindade do Menino Jesus unida à sua humanidade.
A virtude de religião
A adoração, segundo nos ensina o Doutor Angélico, “orienta-se à reverência daquele que é adorado”. Trata-se de uma virtude especial, chamada de religião, à qual “é próprio prestar reverência a Deus”.[1]
Para melhor entendermos, basta dizer que a religião tem seu fundamento em quem é Deus e o que somos nós; naquilo que Ele nos deu e no que Lhe devemos restituir. Deus é o Ser por essência, a Perfeição, o Bem, a Verdade e a Beleza, ademais, absoluto e infinito; e nós, pelo contrário, somos criaturas contingentes: d’Ele recebemos tudo e, em nossa existência, necessitamos de sua sustentação a cada instante.
Bem dizia o Pe. Antonio Royo Marín, OP, que se, por absurdo, Deus chegasse a cochilar, todas as criaturas retornariam ao nada; ao que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira respondeu: “E, em sua onipotência, Ele recriaria tudo novamente, logo ao despertar”.
Portanto, o ser de toda e qualquer criatura é conferido por Deus, assim como os mais variados bens que haja em toda a ordem do universo. Na linha dos dons nada há, portanto, que não recebamos de Deus. Somos os eternos devedores do Criador. Debaixo deste ponto de vista, até a mais excelsa de todas as criaturas, Maria Santíssima, também o é, e Ela soube reconhecer isto em seu cântico diante de sua prima Santa Isabel: “Minha alma glorifica ao Senhor […] porque olhou o nada [a humildade] de sua serva” (Lc 1, 46-48).
A virtude de religião é a essência da adoração que se concentra no reconhecimento destas duas realidades: quem é Deus, quais seus direitos e benefícios; quem somos nós, nossa indigência, nosso nada. Por isso, a religião é a principal entre as virtudes morais — explica-nos São Tomás de Aquino —, porque “está mais próxima de Deus que as outras […], enquanto suas ações direta e imediatamente ordenam-se para a honra divina. Consequentemente, a religião é superior às outras virtudes morais”.[2]
Um convite a sermos gratos ao Senhor
Ora, o que movia o fundo da alma dos Reis Magos era o desejo de prestar culto de adoração Àquele que acabara de nascer. O significado da moção do Espírito Santo, levando-os a Belém, cifra-se no chamado universal de todas as nações à salvação e à participação nos bens da Redenção.
Se bem que os Profetas houvessem feito previsões sobre a universalidade dessa vocação, os judeus consideravam-na como um privilégio exclusivo do povo eleito. É curioso notar como o próprio Senhor em sua vida pública, apesar de elogiar a fé do centurião romano — “Em verdade vos digo: não encontrei semelhante fé em ninguém de Israel” (Mt 8, 10) —, afirma não ter sido enviado pelo Pai senão para cuidar das “ovelhas dispersas da casa de Israel” (Mt 15, 24). Ou seja, não quis Ele chamar diretamente a gentilidade; essa tarefa seria reservada aos Apóstolos, em especial a São Paulo.
Mas, com décadas de antecedência, os Santos Reis simbolizaram junto ao berço do Salvador grande desejo d’Ele de nos redimir também a nós todos da gentilidade, conforme as palavras da Oração do Dia: “Ó Deus, que hoje revelastes o vosso Filho às nações, guiando-as pela estrela”;[3] e mais claramente no Prefácio: “Revelastes, hoje, o mistério de vosso Filho como luz para iluminar todos os povos no caminho da Salvação”.[4]
Se aos Reis Magos Deus os chamou por meio da estrela, a nós Ele nos chama através de sua Igreja, com sua pregação, doutrina, governo e Liturgia. Logo, a Epifania é a festa que nos convida a agradecermos ao Senhor, como também a Lhe implorar a graça de sermos guiados sempre e por toda parte através de sua luz celeste, bem como de acolhermos com fé e vivermos com amor todos os dons que a Santa Igreja nos dá.[5]
Extraído com adaptações de:
CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2012, v. 5, p. 145-149.
[1] SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q. 84, a. 1.
[2] Idem, q. 81, a. 6.
[3] EPIFANIA DO SENHOR. Oração do dia. In: MISSAL ROMANO. Trad. Portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 9. ed. São Paulo: Paulus, 2004, p. 164.
[4] RITO DA MISSA. Oração Eucarística: Prefácio da Epifania do Senhor, op. cit., p. 406.
[5] Cf. EPIFANIA DO SENHOR. Oração depois da comunhão, op. cit., p. 164.
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