terça-feira, 30 de junho de 2020

Viva a quarentena (?)

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*por Claudia Queiroz
Que oportunidade única temos agora para enxergar nossas sombras!!! Aquele lado B que escondemos naturalmente em toda convivência ou que camuflamos tão bem sempre que algo nos obriga a mudar o foco das coisas. Problemas que deixamos para depois, para quem sabe um dia pensar…  Tornam-se muitas vezes poeiras acumuladas debaixo do tapete. Propositadamente ou não.
Acho que ninguém esperava que a quarentena representasse uma espécie de terapia forçada. Período de consciente ou inconscientemente introspeção, já que o convívio social está limitado aos integrantes do lar.
Eu mesma atravesso duelos acirrados entre expectativa e realidade. Expectativa com o que eu gostaria de produzir, estudar, ler, desenhar, treinar passos do sapateado, fazer minhas séries de yoga no colchonete, seguir rotina com aparelhos de musculação que temos em casa… Mas pergunte se consigo? Lógico que não! Minha filha tem 3 anos e meio e está naquela fase que mal me deixa pensar. Disputa a atenção até com o pai, sempre ativo na produção de conteúdo digital e que solicita minha opinião para lapidarmos os temas.
Assim como muitas donas de casa, estamos sem ajudante. Então, ontem mesmo foi dia de arrastar os móveis para varrer e limpar. E sabe a poeira do tapete que brinquei há pouco? Precisa ser retirada de lá, para não encrustar…
Administrar tudo isso é atravessar com malabarismo calibrado e equilibrado entre pesos e medidas. A filhinha quer assistir TV além do normal? Jogar no meu celular? Meu marido se ocupa mergulhando nos cursos, livros e áudios para se atualizar? OK se eu enlouquecer de vez em quando, porque sou humana, em processo contínuo de aprendizagem, mas me culpar é o que não vou fazer!
Ontem achei graça de um post que li numa rede social. Chamava bingo para pais em tempos de coronavírus. As opções na cartela, ao invés de números, eram: Deixei o filho dois dias com a mesma roupa; esqueci de escovar os dentes das crianças após as refeições; dormiu sem tomar banho; gritei pelo menos uma vez hoje; não sei o que é chão e o que é brinquedo; pizza no jantar; brigadeiro de lanche; “se não limpar o prato o corona vai te pegar!”; a criança está aprendendo a falar palavrão; lista de exercícios que o colégio manda (pra que???); já fingi não escutar a criança chorando; troca de fralda só quando tem cocô; não fiz nenhuma das atividades lúdicas propostas; não aguentei e levei a criança pro play…; dei o celular por uns minutos de paz… e assim por diante. Que lista, hein?!
Uma cartela divertidamente cômica e ao mesmo tempo intrigante. Quem assinalou alguma dessas frases é absolutamente NORMAL, REAL, HUMANO. E está tentando o seu melhor! Eu mesma acho que minha filha pensa que só sei contar até 3… para não ficar de castigo. rss
Então que tal pararmos de usar nosso tempo para criticar quem não faz, não fez, não isso ou aquilo e cuidar do próprio umbigo? O processo de amadurecimento é pessoal e intransferível. Podemos sim motivar, inspirar os outros com nossos pensamentos, mas ninguém vai calçar meus chinelos ou sentir os calos do meu pé por mim… E ficar nas redes sociais jugando a vida alheia me faz lembrar aquelas DONAS FIFIS na janela, vendo ‘a banda passar’ e fazendo intriga com a vizinhança!!! Não dá, né?!
Você é melhor que sua amiga que não tem paciência com as crianças em casa? Ajude, ensine, dê ideias construtivas, contribua. Porque posar de paladino da moralidade é tudo o que ninguém precisa neste momento. Se existe dor, necessita-se de suporte, de abraço, de atenção e carinho. Isso é um ‘segurar nas mãos simbolicamente’ de quem atravessa seu caminho de crescimento.
Quem nunca quis fazer o famoso Caminho de Santiago de Compostela, no norte da Espanha, para alcançar mais autoconhecimento e respostas para seus dilemas internos? Eu já, quando ainda não tinha minha família… Porque é uma espécie de superação diária, que requer isolamento e bastante sacrifício de caminhadas com uma grande mochila nas costas, comida e água escassa, totalmente fora da zona de conforto.
Para mim, neste momento que estamos enfrentando mais domínio de autocontrole, no exercício da paciência, amor e resiliência, a empatia precisa ser praticada até que se torne hábito. Quem sabe essa quarentena não apareceu exatamente para isso? Mudarmos pensamentos, para promover novas ações, gerar outro comportamento e mais, para sermos conduzidos a subir um degrau muito importante na evolução de vida!
E sobre a poeira do caminho ou embaixo dos móveis? Peça para alguém segurar a pá. Desse modo, juntos nos livremos da ‘sujeira’. É uma maneira de não estarmos sós e nos livrarmos de algo ruim que ainda vive dentro de nós.
Claudia Queiroz é jornalista.
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