sexta-feira, 30 de abril de 2021

 

Criança tem que dormir sozinha?

508

*por Claudia Queiroz

Acho que fui uma das últimas, dentre minhas amigas, a ser mãe. Ouvi muito das histórias de maternidade antes de me desvendar por esse infinito particular. Certa vez, uma delas me disse que precisava comprar uma cama maior para que o filho não caísse no meio da noite. Achei graça. Outra me contou que empurrava a própria cama contra a parede para acomodar a filha… Fiquei surpresa. Filhos hoje dormem com os pais? Como assim?

Quando eu era criança, o encerramento do telejornal com aquele clássico “Boa Noite” era praticamente a ordem que tínhamos que ir pra cama. As nossas camas. Minha e das minhas irmãs. Porque a dos nossos pais era sagrada, distante e indisponível, a não ser que estivéssemos doentes. Uma espécie de prêmio de consolação para amenizar o sofrimento infantil das viroses ou acidentes de travessuras que aconteciam com certa frequência. Mas deitar ali era por algumas horinhas a tarde. Nunca pra passar a noite com eles.

Por isso, me imaginar recebendo a filhinha no meio da noite soava como algo quase improvável, distante ou ilógico. Respostas variadas de conforto moral faziam tremendo barulho mental. Ficaria mimada? Sem limites? Não saberia o lugar dela? E a privacidade do casal? O quarto dela é ao lado e ponto final. Só que não. A vida real quebra todos os roteiros pré-estabelecidos. Há quatro anos e meio vivo muitas das reticências dessa verdade, e posso garantir que já não é mais a mesma de antigamente. (Risos)

Esta noite, por exemplo, a filhotinha chegou eram 1:33am. Eu estava naquele sono profundo e gostoso de uma madrugada fria de outono curitibano. Acordei de sobressalto achando que havia perdido a hora e que já era manhã. Estava ela paradinha ao lado da cama dizendo estar com medo. De que? Nem perguntei, vem. Estava sem forças para dizer não. E deveria?

Ela se aninhou no meio da cama quentinha e logo adormeceu. Fiquei naquele dorme acorda por diversas vezes, feito curto-circuito, até que a pequena carregou as próprias energias e estava novinha em folha para ver o sol nascer da janela da sala.

Ainda antes de levantar, faceira que só, tagarelou fazendo cafuné enquanto cantava uma canção para eu adormecer: “brilha, brilha, estrelinha, quero ver você brilhar”.. Aquela voz de anjo, doce e suave, era perfeita para a melhor fase do sono, que sempre acontece quando todos já levantaram.

Avaliando melhor, eu poderia tê-la feito voltar para o quarto dela, afinal lá é o lugar certo para descansar. Mas não consegui. Além das minhas forças, havia um instinto de pertencimento materno, de proteção, que não me permitiu tamanha crueldade. A natureza é sábia. Nosso lugar é perto da cria. Longe, não sobreviveriam.

Teorias ultrapassadas e cheias de TEM QUE nos afastam da natureza da criança, que busca afeto, contato e segurança. Necessidades básicas de uma menininha que não tem escolhas quando sente medo do escuro ou de algum barulho… Tudo o que ela precisa é buscar a proteção dos pais para superar essa dificuldade.

Mas ela vai crescer dependente, insegura, medrosa, etc etc etc? Claro que não! Pelo contrário! Vai saber que pode contar com os pais para todas as situações e que não estará sozinha nos dilemas que a vida apresentar. Esta é a questão!

Crianças que se calam para não incomodar os adultos tendem a ser inseguras, com problemas de autoconfiança e muitas vezes sofrem por não ter com quem contar, adotando eternamente na vida uma postura de independência extrema. Porque não sabem compartilhar, dividir, confiar. E isso tudo pode ter começado quando foi expulsa do ninho. Forte hein?

Dormir com uma criança se debatendo e girando na cama não é fácil, nem ideal para o que consideramos ser “o sono dos justos”. Mas faz parte do processo de amadurecimento dela. Cabe a nós, tomarmos algumas doses de café a mais para darmos conta no dia seguinte.

Afinal, existem problemas bem mais graves que esse quando deixamos lacunas no coração de um filho. Daí perder o sono à noite pode virar rotina de assombração e suspense. Não há nada mais seguro para uma criança que o abraço dos pais. Acolha seu filho no ninho, na cama, colo e coração. É pra isso que ganhamos a procuração de anjos deles. Na hora certa, saberão que podem voar e voltar. Porque amor é assim.

Claudia Queiroz é jornalista.

 

Cabo Frio

Descrição Geral: A sua rica diversidade natural torna Cabo Frio uma cidade com intensa atividade turística. A economia está baseada no turismo, agricultura e repasse dos royalties do petróleo. O município é um grande centro turístico com vasta rede de hotéis e pousadas para turistas nacionais e estrangeiros aproveitarem suas belezas naturais. As praias são famosas pela areia branca e fina. Esportes aquáticos, trilhas nos costões e “sandboard” nas dunas atraem os turistas interessados na natureza.

Geologia: As rochas mais antigas do município, com cerca de 2 bilhões de anos, são metamórficas, onde predominam gnaisses e anfibolitos e podem ser vistas na Praia do Forte, Boca da Barra, no costão do Peró ou na perfeita Praia das Conchas. O diabásio, indicador da abertura do Oceano Atlântico há 130 milhões de anos, é encontrado nos costões e nos artefatos e sítios arqueológicos. Completando esta geodiversidade ímpar, ocorrem feições geomorfológicas como as planícies fluviais, flúvio-marinhas, cordões litorâneos, paleofalésias e muitas outras feições, com destaque para os campos de dunas.

Histórico: A região de Cabo Frio foi descrita por Américo Vespúcio em 1503, sendo alvo constante de ataques piratas franceses e holandeses na exploração do pau-brasil. Naquela época era habitada pelos índios tamoios que batizaram a região como “Gecay”, único tempero da cozinha, feito com sal grosso cristalizado. Mas, antes dos tamoios, outros habitantes pré-históricos ali viveram e deixaram seus registros: os sambaquieiros. A Duna da Boa Vista, localizada ao lado do Forte de São Mateus, é um desses importantes sambaquis. O domínio francês na região foi estabelecido no ano de 1556, com a construção de uma feitoria denominada “Casa da Pedra”, localizada na barra do canal da Lagoa de Araruama (hoje canal do Itajuru), e este domínio era crescente com a união que estabeleceram com os tamoios. A chamada “Guerra de Cabo Frio” aconteceu em 1575. O governador do Rio de Janeiro reuniu poderoso exército cujos oficiais e soldados seguiram por terra e mar, tendo como objetivo liquidar o último forte da Confederação dos Tamoios e acabar com o domínio francês que já duravam 20 anos em Cabo Frio. Já em 1615, o governador do Rio de Janeiro recebeu ordens do Rei Filipe III, da Espanha, para mais uma vez retornar a região e estabelecer uma povoação. Assim, em 13/11, levantou a Fortaleza de Santo Inácio e fundou a cidade de Santa Helena do Cabo Frio, a 7ª mais antiga do Brasil. Entre 1650 e 1660, a grave crise do sal português que desabasteceu o Brasil chamou a atenção metropolitana para a cristalização natural do produto na Lagoa de Araruama. Um novo centro urbano era levantado junto a atual Praça Porto Rocha, sendo construídos a Igreja de Nossa Senhora da Assunção, o sobrado da Câmara e da Cadeia, que formavam o Largo da Matriz onde se fincou o pelourinho. Já no início do século XVIII, o Forte de São Mateus foi guarnecido e rearmado para a defesa da capitania. A expansão urbana refletia o sucesso de várias atividades econômicas que eram exportadas para o Rio de Janeiro, em geral pela Barra de Araruama. A visita que D. Pedro II fez à cidade, em 1847, estreitou as relações especiais que Cabo Frio mantinha com o governo imperial. O Imperador visitou o estabelecimento modelo das Salinas Perynas, incentivado por ele próprio e de propriedade do alemão Lindenberg, que colocou em prática novos métodos de produção mineral, dando início ao moderno parque salineiro ao redor da Lagoa de Araruama.


PRINCIPAIS GEOSSÍTIOS:

CAMPO DE DUNAS DA DAMA BRANCA (OU DUNAS DE CABO FRIO)
Localização: 22°54’33.71” S; 42°2’11.11” O
Descrição: Os elementos naturais da região de Cabo Frio agregam à paisagem costeira da cidade a maior duna isolada do sudeste brasileiro, a Duna da Dama Branca, com cerca de 33 m. Sua singularidade e importância, além da beleza geológica e paisagística, fizeram com que o INEPAC, em abril de 1988, oficializasse o tombamento do geossítio como Patrimônio Natural Estadual. As dunas também fazem parte do Parque Estadual da Costa do Sol e do Parque das Dunas (municipal). Ali é possível observar estruturas sedimentares eólicas, vários tipos de dunas, lagoas interdunas e a fauna e flora típicas associadas a este ambiente. Essa rara ocorrência de dunas móveis em Cabo Frio e municípios vizinhos está associada à orientação dos ventos predominantes vindos do quadrante Nordeste, ao clima semiárido quente e à disponibilidade de sedimentos. O fenômeno da ressurgência de águas da Corrente das Malvinas, somado a uma expressiva distância do litoral à Serra do Mar, diminui os índices de chuvas, criando uma região de clima semiárido em meio a um clima tropical para o resto do estado. A temperatura média do município fica entre 35°C durante o verão e 18°C durante o inverno, e a média anual de precipitação está em cerca de 850 mm. A areia proveniente da Duna da Dama Branca tem origem nos depósitos marinhos adjacentes, de onde são removidos e lançados na praia pela ação das ondas e correntes. O mar traz mais areia para a praia do que pode levar de volta e, assim, a areia excedente é acumulada nas praias, as quais servem como zona de alimentação para as dunas que, no caso da Dama Branca, está na área das praias do Forte, das Dunas e do Foguete. Posteriormente, os ventos transportam sedimentos da praia para as zonas de formação das dunas. Em Cabo Frio os ventos chegam principalmente da direção Nordeste, refletindo no desenho do movimento dos campos de dunas. Basta olhar uma imagem de satélite para reconhecer este padrão. Esta mesma direção pode ser observada em outros campos, como em Peró e na Restinga da Massambaba. Em ambientes costeiros, os campos de dunas são feições essenciais para a proteção do litoral, pois funcionam como um estoque sedimentar quando fortes tempestades retiram areia da praia. No Campo de Dunas da Dama Branca podem ser observados tipos distintos de dunas, que variam de acordo com o aporte de areia e intensidade do vento, como as frontais, barcanas e parabólicas. Quanto à mobilidade, as dunas podem ser estacionárias (fixas) e migratórias (móveis). As dunas fixas tornam-se estáveis por vários fatores, sendo o principal deles o desenvolvimento de vegetação. Como as dunas são ambientes frágeis e dinâmicos, qualquer alteração significativa nos fatores naturais que as originam pode acarretar em grandes impactos no ecossistema. Mesmo sendo tombada, a Dama Branca sofre ainda com o fator antrópico. A ocupação e especulação imobiliária na área de alimentação interferem no processo de aporte e migração da duna, causando sua diminuição em altura ao longo das últimas décadas. A Dama Branca é um campo de dunas incrível e de beleza única do nosso Geoparque, onde é possível observar e entender a dinâmica do transporte eólico e como ele pode transformar a paisagem e a bio/geodiversidade local.

Referências: Pereira, T.G.; Oliveira Filho, S.R.; Correa, W. B.; Fernandez, G.B. 2010. Diversidade Dunar entre Cabo Frio e o Cabo Búzios – RJ. Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. especial VIII SINAGEO, 3:277-290 | Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro | Martelo, A.F.; Nicolodi, J.L. 2018. As dunas frontais e sua função frente às inundações da costa: validação de dois modelos de erosão como ferramenta para a gestão costeira aplicados na praia do Mar Grosso, RS. Desenvolvimento e Meio ambiente, Edição especial: X Encontro Nacional de Gerenciamento Costeiro, 44:223-241 | Fernandez, G.B.; Pereira, T.G.; Rocha, T.B.; Maluf, V.; Moulton, M.; Oliveira Filho, S.R. 2017. Classificação Morfológica das Dunas Costeiras entre o Cabo Frio e o Cabo Búzios, Litoral do Estado do Rio de Janeiro. Rev. Bras. Geomorfol. (Online), São Paulo, 18(3):595-622

FORTE DE SÃO MATEUS
Localização: 22º53’5.87” S; 42º0’26.71” O
Descrição: Neste local também existe um painel do Projeto Caminhos Geológicos, implantado na praça que dá acesso ao Forte São Mateus, na Praia do Forte, ao lado da saída do Canal de Itajuru, que liga a Lagoa de Araruama ao mar. A geologia do local é representada por rochas paleoproterozóicas do Complexo Região dos Lagos, em especial por ortoanfibolitos. As cores muito distintas das rochas permitem ao visitante identificar cada litotipo existente. Neste painel é explicado o método utilizado para datação dessas rochas, cuja cristalização se deu há 2 bilhões de anos.O Forte é um patrimônio tombado pelo IPHAN, construído no século XVII.

ILHAS DE CABO FRIO
Localização: 22º52’38.87” S; 42º1’1.99” O
Descrição: No Boulevard Canal, existe um terminal de barcos para realização de passeio até às ilhas. Neste local existe outro painel do Projeto Caminhos Geológicos, onde é apresentada a origem geológica das Ilhas do Breu, Pargos, Capões, Comprida, Redonda, Dois Irmãos e dos Papagaios, e das principais rochas e estruturas que podem ser vistas durante o passeio de barco. Pequenas praias de cascalho, diques e dobras podem ser observadas. As ilhas se orientam paralelamente à linha de costa e, por este motivo, cada uma delas reflete a geologia do ponto do litoral imediatamente em frente. Assim, ocorrem litotipos do Complexo Região dos Lagos, da Suíte José Gonçalves e do Grupo Búzios-Palmital.

PARQUE DA BOCA DA BARRA
Localização: 22º52’53.27” S; 42º0’11.23” O
Descrição: O local é conhecido, também, como Ilha do Japonês, localizada no Canal de Itajuru. Existe um painel do Projeto Caminhos Geológicos na entrada do estacionamento. O painel sintetiza a quebra do Gondwana e a formação do Oceano Atlântico, registradas nas rochas do embasamento paleoproterozóico e diques toleíticos do Cretáceo, com 130 milhões de anos. Possui, na praia Brava, paragnaisses do Grupo Búzios – Palmital. O Parque da Boca da Barra inclui toda a área que vai desde o início da salina na Pousada Porto Veleiro, passando pela Ilha do Japonês, até a ponta do farol da Lajinha, Praia Brava e todo o costão além da Ponta do Chapéu até a Praia das Conchas, a região é de máxima exuberância e é um museu geológico a céu aberto.

CAMPO DE DUNAS DO PERÓ
Localização: 22º51’47.75” S; 41º59’10.39” O
Descrição: O campo de Dunas do Peró é um dos mais importantes cartões postais de Cabo Frio. Além do registro eólico, possui fauna e flora endêmica, importância para formação de lagoas e brejos no seu entorno e sítios arqueológicos. Ocupa uma ampla faixa de terra entre a Ponta do Peró, na divisa com o município de Búzios até a belíssima Praia das Conchas. Está sinalizado por um painel dos Caminhos Geológicos localizado no início do calçadão da Praia do Peró, na altura da Rua dos Pescadores.

PALEOLAGUNA DA RESERVA TAUÁ
Localização: 22º45’13.19” S; 41º59’52.86” O
Descrição: A Paleolaguna da Reserva Tauá, localizada na borda leste do pântano da Malhada, entre os municípios de Cabo Frio e Armação dos Búzios, tem área aproximada de 1 km². Destaca-se por uma ocorrência singular, o que levou a sua descrição ser selecionada e publicada pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP). Trata-se de uma área particular, cuja proprietária, a ambientalista Tereza Kolontai, preservou e reintroduziu, com base em estudos botânicos, muitas espécies de flora típica de restinga. Uma fauna rica, com borboletas de diversas cores, destaca-se em meio à exuberante vegetação. Mas a geodiversidade também se fez importante para sua reserva quando, ao escavar uma área para acumulação de água para rega de mudas e viveiros, Tereza se deparou com uma grande concentração de conchas. Ela pensou tratar-se de um sambaqui, mas a geologia trouxe a resposta: era uma coquina, acúmulo sedimentar formado quase que exclusivamente por conchas e seus fragmentos. Esse depósito, com espessura média de 0,60 m, apresenta alto grau de preservação, ou seja, muitas das conchas estão fechadas, em posição de vida. Como os sambaquis são formados principalmente por conchas que serviram de alimento para os habitantes pré-históricos, fica claro que esse depósito de conchas é natural e, portanto, geológico. Foram identificadas ali 16 espécies de moluscos, sendo 9 de biválvios, 6 de gastrópodes e uma de escafópode. Analisando esses organismos, pesquisadores concluíram que são característicos de ambiente lagunar hipersalínico, como aquele que hoje existe na Lagoa de Araruama. Também, esses depósitos estão distantes cerca de 4 km do litoral e, assim, reconstituições ambientais vêm sendo feitas para entender estas ocorrências no passado. Aliás, o nome Paleolaguna (do grego palaiós = antigo + laguna) já explica sua origem no passado. As conchas puderam ser datadas pelo método radiocarbono e apresentaram idade entre 5.034 a 5.730 anos cal. A.P. Com os estudos hoje realizados, tem sua formação explicada quando o nível relativo do mar atingiu 2,8 m acima do atual há cerca de 5.100 anos, época em que houve o “afogamento” da planície costeira atual. Naquele momento, existiam na região diversas lagunas interligadas, fechadas por cordões arenosos. Por volta de 4.900 anos, houve uma rápida descida no nível do mar, fazendo com que as lagunas não tivessem mais sua ligação com o ambiente marinho. Formou-se o ambiente pantanoso atual e as conchas que viviam em ambiente hipersalino morreram, ficando preservadas nesse belo lugar. Um painel do Projeto Caminhos Geológicos foi implantado na reserva, além de uma escultura em espiral ter sido construída para representar o tempo geológico. Vale destacar, ainda, que estudos arqueológicos no Pântano da Malhada identificaram artefatos constituídos de quartzo lascado, bem como sepultamentos. Restos de ossos e conchas foram datados de 4.020 ± 80 anos A.P, marcando o início da ocupação humana naquele local. No local foi ainda. Hoje, a ocupação urbana se aproxima dessa região, que precisa ser preservada por guardar toda essa história biológica, geológica e humana.

LAGOA DE ARARUAMA
Localização: 22°54’40.4” S; 42°21’29.2” O
Descrição: A Lagoa de Araruama é um geossítio de extrema relevância no nosso território, não só por ser a maior sistema lagunar hipersalino em estado permanente da Terra (cerca de 220 km²) como pela raridade do ecossistema em que ocorre. Banha os municípios de Saquarema, Araruama, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio e Arraial do Cabo. A existência da Lagoa representa uma parte relativamente recente da história da Terra, correspondente aos registros de avanços e recuos do nível relativo do mar nos últimos 120 mil anos, ou seja, compreende o final do período Quaternário (pequena parte do Pleistoceno e todo o Holoceno, que é o nome da época em que vivemos). As variações no nível do mar muitas vezes representam mudanças climáticas cíclicas em nosso planeta, causadas por períodos de glaciação entremeados com momentos mais quentes, os interglaciais. Essas mudanças foram fundamentais para a deposição dos sedimentos na Restinga da Massambaba e para a existência deste sistema lagunar tão especial. Pela observação da imagem de satélite é possível perceber que a Lagoa de Araruama está separada do mar por um grande cordão arenoso, onde estão instaladas pequenas lagunas, como as Lagoas Vermelha, Pitanguinha, Pernambuca, Brejo do Espinho, entre outras. Estudos e datações revelaram que este cordão é composto por dois cordões de idades bem distintas, sendo que o mais velho não ocorre em toda a extensão da Massambaba e está mais próximo à Lagoa de Araruama (chamado de barreira interna). Ele foi associado à elevação do nível do mar que ocorreu há cerca de 120 mil anos, formando uma enseada onde hoje está a Lagoa de Araruama. Mas, no final do Pleistoceno, houve um período glacial bastante intenso, que fez recuar o nível do mar por conta do congelamento de água nos polos e continentes. Este recuo fez com que sedimentos se depositassem e houvesse a formação desse cordão mais velho e interno, cuja formação também foi facilitada pelo transporte de sedimentos pelas correntes marinhas. Posteriormente, entre 7 e 5 mil anos A.P (antes do Presente), houve uma nova elevação do nível do mar. A que ocorreu há 5 mil anos é considerada a maior do Holoceno e alcançou cerca de 3 m acima do nível atual. O mar novamente invadiu a Lagoa de Araruama, destruindo parte da barreira interna. No recuo do nível relativo do mar, que ocorreu após este momento, houve a formação por sedimentação da barreira externa que, assim, deixou seu registro nas pequenas lagunas existentes no interior do cordão. Sua hipersalinidade peculiar está associada ao fenômeno da ressurgência. Esse fenômeno é causado pela Corrente das Malvinas, de águas frias, que migram pelo fundo do oceano até que alcança a Ilha do Cabo Frio, ou Ilha do Farol, em Arraial do Cabo. Com os ventos de direção NE, as águas quentes nas partes mais rasas do oceano são empurradas e essa água fria sobe à superfície. Isto desfavorece a evaporação e, consequentemente, a formação de nuvens de chuva. Além disso, os ventos também dispersam as nuvens que não encontram barreiras de montanhas para provocar a precipitação na região. Esse conjunto de fatores gera um clima semiárido. Assim, são raros os rios e córregos para abastecer a Lagoa de Araruama e todo o sistema com água doce. A insolação e os ventos fortes favorecem a evaporação da água da lagoa, tornando-a hipersaturada em sais. Esta peculiaridade é responsável pela existência histórica das salinas na região, que emprestam beleza à paisagem com seus cata-ventos. Além disso, propicia as condições para formação de estromatólitos.

Referências: Prado, T.P.M. 2016. Caracterização de Fácies e Interpretação Paleoambiental em um Testemunho de Sondagem na Lagoa Vermelha, Planície Costeira de Araruama (Região dos Lagos), RJ. Trabalho de conclusão de curso (graduação), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Geociências, Departamento de Geologia 53p. | Mansur, K.L. 2010. Diretrizes para Geoconservação do Patrimônio Geológico do Estado do Rio de Janeiro: o caso do Domínio Tectônico Cabo Frio [Rio de Janeiro]. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Geociências, Programa de Pós-Graduação em Geologia, 214p. | Gênese da Morfologia do Fundo da Lagoa de Araruama e Cordões Litorâneos Associados | Estudo Preliminar da Climatologia da Ressurgência na Região de Arraial do Cabo, RJ


PRINCIPAIS SÍTIOS DE INTERESSE HISTÓRICO-CULTURAL:

SÍTIOS HISTÓRICOS, PRÉ-HISTÓRICOS, CULTURAIS E ECOLÓGICOS DE CABO FRIO
Localização: 22º51’54.95” S ; 42º01’59.95” O (Centro de Recepção de Visitantes)
Descrição: Cabo Frio foi um dos primeiros pontos a serem ocupados pelos portugueses no litoral brasileiro, logo após o descobrimento. Antes disto, o homem pré-histórico, desde os sambaquieiros até os tamoios, deixaram também seus registros. Não se pode visitar Cabo Frio, sem deixar de conhecer o sítio arqueológico das pedras sulcadas do Itajuru, no Morro da Guia, a Fonte do Itajuru, mandada construir por D. Pedro II, o bairro colonial da Passagem e o Museu de Arte Religiosa e Tradicional de Cabo Frio. A Fazenda Campos Novos assistiu desde 1690 todo o desenrolar da história do município. Todos estes bens são tombados pelo IPHAN. Aconselha-se a visitar, também, o sítio ecológico e geológico Dormitório das Garças, que fica na estrada que liga Cabo Frio a São Pedro da Aldeia, no trecho entre a Ponte Feliciano Sodré e a entrada para a Estrada Velha de Búzios. Neste local, existe um Centro de Recepção de Visitantes sobre o ecossistema de manguezais, com trilhas e painéis informativos. O melhor horário para observação das garças é no fim da tarde, quando elas voltam para seu dormitório. Do ponto de vista da geologia, vale observar na estrada, em frente à entrada do parque, uma falha geológica.

FAZENDA CAMPOS NOVOS
Localização: 22º43’4.67” S; 42º1’52.38” O (Rodovia Amaral Peixoto, km 124, próximo ao trevo de Armação dos Búzios)
Descrição: Escolhida como o melhor local para abrigar a futura sede central do Geoparque e localizada em um ponto estratégico do município de Cabo Frio, próxima aos municípios de Armação dos Búzios, São Pedro da Aldeia, Casimiro de Abreu, Rio das Ostras e Macaé, a Fazenda Campos Novos, que se estende por 184 hectares, é uma área de rara riqueza ambiental, pré-histórica e histórica. Possui placa de estrada sinalizando a entrada e painel dos Caminhos de Darwin. O prédio da fazenda é uma das poucas construções jesuíticas ainda de pé no território brasileiro. Sua construção foi iniciada em 1690, como parte de uma estratégia da Companhia de Jesus para ocupação do litoral fluminense, assim como a Fazenda Sant’Anna, em Macaé, e a Fazenda do Colégio, em Campos dos Goytacazes, a maior de todas, também localizadas no território de nosso Geoparque. Em 1759, os jesuítas foram expulsos das terras portuguesas e os seus bens foram confiscados. A fazenda passou, então, para as mãos de um comerciante do Rio de Janeiro. A região entre Rio das Ostras e o Peró, em Cabo Frio, ficou conhecida, após 1850, como local de desembarque clandestino de navios que vinham da África com escravos. A Fazenda Campos Novos, localizada nessa região, é identificada por historiadores como local de recepção desses escravizados, cujo tráfico era, então, proibido. Campos Novos segue sua história e nos anos de 1980 viveu fortes conflitos pela posse da terra que culminou com a morte de Sebastião Lan, um líder sindical agricultor. A Fazenda Campos Novos hoje pertence à Prefeitura de Cabo Frio. Faz parte da sede da Fazenda Campos Novos uma casa-grande, a igreja de Santo Inácio e o cemitério, sendo considerado um dos conjuntos arquitetônicos mais importantes e originais do país. Por tamanha relevância, levou ao tombamento pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, por intermédio do INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural), em 2003, e como patrimônio nacional, pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em 2011. D. Pedro II, Charles Darwin, Príncipe Maximiliano, Saint-Hilaire, John Luccock, entre outros naturalistas e personalidades, hospedaram-se na Fazenda Campos Novos. Sobre ela, escreveu Darwin, em 1832: “[…] Em Campos Novos, comemos suntuosamente com arroz, frango, biscoito, vinho e aguardente no almoço, café à noite e café com peixe para o desjejum. […] Saí para coleta e encontrei algumas conchas de água doce”. No entanto, muito antes dos jesuítas, a área foi ocupada pelos sambaquianos, população pré-histórica do litoral. Foram identificados sambaquis abaixo e no entorno das construções da fazenda. São sítios arqueológicos que contêm material conchífero, ósseo, além de artefatos de rochas e outros materiais. Pesquisas realizadas mostram a fertilidade do solo antrópico neste sambaqui. No entorno da fazenda foram encontrados, também, muitos artefatos líticos e cerâmicos mais novos que o sambaqui. Destaca-se, na vegetação preservada na área da fazenda, um fragmento remanescente de mata de tabuleiro, que são raros na região. Geologicamente, a fazenda está localizada sobre depósitos da Formação Barreiras. Ela ocorre desde o Amapá até o Rio de Janeiro e, na nossa região, teve sua origem interpretada como depositada em ambiente fluvial, possivelmente entre 10 e 2,5 milhões de anos atrás. É caracterizada por depósitos arenosos e argilosos de cores variadas, normalmente muito ferruginosos, intercalados com leitos de cascalhos e blocos arredondados de quartzo branco, leitoso. A fazenda localiza-se na parte mais alta da Formação Barreiras na área interpretada como sendo paleofalésias, ou seja, antigas linhas de costa erodidas pelas ondas. Depósitos mais recentes também podem ser encontrados na base das paleofalésias, sendo esses resultantes das variações do nível do mar no Holoceno (época geológica em que vivemos). Há 5 mil anos AP (antes do presente), ocorreu o último evento no qual se teve um aumento do nível relativo do mar, cerca de 3 m acima do atual, e após seu recuo, mantiveram-se os sedimentos de paleolagunas (antigas lagunas) ali depositados. Os depósitos da fazenda foram datados em cerca de 4,8 mil anos AP e são constituídos por lamas e areias muito ricas em níveis com conchas, possível origem da alimentação dos sambaquianos. Ossadas de baleia também foram encontradas nas imediações. Hoje, a fazenda encontra-se a cerca de 4,7 km do mar. Além disso, uma ocorrência de solo nas vizinhanças da fazenda tornou o local padrão para classificação dos solos brasileiros, pois foi descrito na 1ª Reunião Brasileira para Classificação e Correlação de Solos (1979). Conhecendo a Fazenda Campos Novos, você terá oportunidade de entender o porquê de ser considerado um dos sítios culturais mais importantes do nosso país. Num mesmo lugar podemos reviver parte da história e pré-história do Brasil, e da relação entre o posicionamento das antigas populações durante as variações do nível do mar no Holoceno. Locais como a Fazenda mantêm viva a memória cultural e da Terra.

Referências: Cunha, A.M. et al. 2017. Variações do Nível Relativo do Mar Durante o Holoceno na Bacia do Rio Una, Cabo Frio – Rio De Janeiro: Aspectos Sedimentológicos, Faciológicos e Geocronológicos. Rev. Bras. Geomorfol., 18(1):143-154 | Engemann, C. & Amantino, M. 2010. A Fazenda de Campos Novos e sua História – Séculos XVII e XVIII. XIV Encontro Regional da ANPUR-Rio, 9p. | Avaliação da Susceptibilidade Magnética no Sambaqui Fazenda Campos Novos – Cabo Frio – RJ | Caracterização Geoquímica do Sambaqui da Fazenda Campos Novos – Cabo Frio (RJ)