*por Claudia Queiroz
O vírus chinês me acertou sem querer. Eu não era alvo pra ele. Não tenho comorbidades, sou saudável em todos os sentidos, da alimentação à atividade física diária, sem contar que nunca fumei, usei drogas ou qualquer coisa parecida… Mas passei na frente dele, respirei e tive que driblar a morte.
Sem padrão, como boa parte do que vem daquele país, o coronavírus me acertou em cheio. Não perdi olfato ou paladar, não tive coriza ou sintomas gripais, mas senti um peso no peito que era esquisito. E foi praticando meu treino que percebi que havia algo estranho. Depois de alguns dias, a respiração começou a ficar escassa. Puxar o ar com a saturação caindo e a febre alta, que não cedia, era sufocante. Os pulmões foram 80% comprometidos e respirar só era possível com a maior potência do oxigênio hospitalar.
Mas sobrevivi e vou contar aqui sobre a experiência benigna que essa “batalha naval mundial”, que escolhe aleatoriamente quem vai e quem fica, deixou como lição pra mim.
Na véspera da minha internação, meu marido, Jacyr Leal, precisou ser internado no Hospital Nossa Sra. das Graças. Temos uma filha de 4 anos, que viu a imagem da Santa na fachada do pronto atendimento. Pedimos a ela pelo milagre de salvar o papai. Choramos e voltamos pra casa. De madrugada eu ardia em febre e minha saturação caía. Chamei minha funcionária para vir trabalhar bem cedo. Havíamos nos isolado de todos, porém era preciso a ajuda dela com a pequena. Mandei mensagem para minha mãe, pedindo que viesse pra minha casa quando acordasse, porque eu iria internar (só não sabia aonde).
Arrumei minha mochila e me despedi da filhinha, vertendo lágrimas e sem forças para segurá-la no colo. Ela não queria me deixar sair e estava com medo de perder a família dela, uma vez que o papai já estava no hospital (e desta vez não era para abrir as portas do céu e trazer mais um neném, como ele sempre faz. Ele é obstetra).
A ambulância chegou e eu mal conseguia me sentar na poltrona do hall do prédio onde moramos para ser atendida. Deitar naquele chão gelado parecia mais seguro… Triste fim, pensava eu, num momento solitário. Até que fui colocada na ambulância sob a condição de ter um acompanhante da minha família para dar entrada ao hospital que abrisse vaga.
Estavam todos lotados. Eu não respirava quase. Até que por milagre abriu uma vaga no Hospital Sugisawa. De repente, de dentro da ambulância, minha mãe apareceu. Evidentemente que com o coração na mão, sentou-se na frente com o motorista e me acompanhou nessa saga vestida da lealdade e da inimaginável fortaleza materna.
Só que uma doença altamente transmissível como essa poderia flertar com ela se chegasse perto de mim. Que medo! No entanto, naquele momento eu entreguei pra Deus minha vida e o que aconteceria na sequência. Já não me cabia mais recurso algum além da fé.
Separadas fisicamente no Pronto Atendimento do hospital, eu estava na maca e ela, literalmente “peticionando” para Deus não me deixar partir, pois Ele já havia levado meu tio, irmão dela, há poucos meses por essa maldita pandemia. Sem eu saber, ver ou ouvir qualquer coisa, ela moveu anjos do céu e da terra pela minha vida. Grupos de orações por todos os lados nos deram forças para superar essa batalha.
Não era a minha hora
No quarto, sem direito a acompanhante e com a comida horrível com louvor (alguns médicos concordavam comigo sobre o sabor das refeições eca), eu pausei o tempo por uma semana inteira, mergulhada na dúvida da recuperação. E enquanto isso, minha mãe era firme, cheia de certezas e positividade, que eu iria vencer mais essa guerra.
Junto com algumas comidinhas, chinelos e pijamas, ela me mandou alguns mimos. Um desenho lindo, feito pela minha filha Gabriella, a mensageira de Deus que me ilumina diariamente… A obra de arte colorida da filhinha foi grudada na frente de uma gravura que enfeitava a parede e “olhava pra mim o tempo todo”. A boneca “bebezinho” com roupinha da Gabi quando era pequena e a imagem de Nossa Sra. das Graças em gesso, no formato angelical de uma criança, foram minhas companheiras. Da angústia à saudade, da dor à esperança, eu abraçava minhas mascotes e lembrava de tudo o que aquilo representava.
Minha mãe estava lembrando que me daria quantas vidas fossem necessárias até que a missão por aqui terminasse, deixando claro que não era hora agora. A boneca fazia as vezes da filhinha. A imagem da santa era a conexão com meu marido, que também não podia me deixar viúva. Que dias! Quanto sofrimento! Quanto aprendizado.
Envolta de muito amor, nas preces de tanta gente querida, os médicos encontraram uma saída milagrosa para o período agudo e inflamatório. Usaram em mim um medicamento que paralisa o avanço do coronavírus e entrega um bálsamo anti-inflamatório para corpo e alma. Este remédio, aliás, deveria estar acessível a TODOS os pacientes de COVID e não ser encontrado nos garimpos de quem tem acesso a ele.
Conforme a promessa medicamentosa, a febre foi baixando, bem como a necessidade de oxigênio e o mal-estar geral em 48h. A alta hospitalar veio como consequência de uma sucessão de milagres, mesmo com um pequeno derrame no coração (acho que meu coração chorou de emoção ao saber o quanto sou amada).
Viver o agora é a coisa mais urgente que temos a fazer para não pausar a vida. Porque nenhum inimigo é maior que a fé de uma mãe. Da minha mãe Noemia, de Maria mãe de Jesus e de todas que sabem honrar a confiança recebida do céu pelo nascimento dos seus filhos.
Depois de tudo isso, meu olhar diante da minha mãe aumentou ainda mais a admiração na força que ela tem, dando conta da neta, dos apuros, dos medos, sem perder a fé nem por um segundo. Essa conexão maior ficou fortalecida pela gratidão. E o amor? Ele é o responsável por todos os milagres que vivemos diariamente.
Claudia Queiroz é jornalista.