sexta-feira, 6 de novembro de 2020

 

DE TIO PARA SOBRINHO?

Como o Casarão do José Caetano Barcelos Coutinho se tornou o conhecido Solar do Visconde de Araruama?

Historiadora Graziela Escocard (Foto: Maria Paula Passos )

O casarão onde funciona atualmente o Museu de Campos dos Goytacazes trata-se do secular imóvel, conhecido como Solar do Visconde de Araruama, construído no final do século XVIII. De acordo com Alberto Lamego Filho, a edificação foi construída para ser moradia do José Caetano Barcelos Coutinho do morgado de Capivari,  hoje município de Quissamã, RJ, tendo sido nomeado Brigadeiro, posteriormente oficial superior, comandante do Terço de Infantaria do Exército Português no Brasil, com o título de Mestre de Campo, nomeação essa que lhe favoreceu para ser eleito primeiro provedor da Santa Casa de Misericórdia de Campos (lembrando que a primeira Santa Casa ficava localizada de frente para a Praça das Quatro Jornadas, esquina com a Av. Alberto Torres), em 1º de janeiro de 1793, cargo este que exerceu até junho de 1794, recebendo também em 1797 o título de primeiro coronel de milícias da Vila de São Salvador de Campos dos Goytacazes.

Visconde de Araruama José Carneiro da Silva (Foto: Acervo MHCG)

Portanto, pela obrigação de estar presente na Vila de São Salvador, José Caetano Barcelos Coutinho mandou erguer a sua morada do qual seu único filho que tivera de seu casamento com Helena Caetana de Azevedo, o Tenente Coronel do Terço Auxiliar João Antonio de Barcelos Coutinho, herdaria. No entanto, seu filho morreu assassinado em 1816, na sua fazenda localizada na freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Capivari. Como não teve filhos legítimos de seu breve casamento com sua prima Ana Joaquina de Velasco Carneiro, possuindo apenas seis filhos naturais, todos oriundos de escravas de seu pai,conforme o “Auto de Perfilhação”.

Isso mesmo leitor! O ilegítimo era nomeado e ocultado. No século XVIII existiam autos que atestavam o reconhecimento de um filho ilegítimo, como se chamavam na época os filhos nascidos fora do casamento, pelo pai ou pela mãe. Este “Auto de Perfilhação”, citado aqui se encontra sobre a guarda do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e levanta importantes questionamentos: uma vez reconhecida, a prole ilegítima teria seus direitos garantidos? Era possível aos herdeiros legítimos embargar a perfilhação de um filho que legalmente não fazia parte do núcleo familiar?

Brasão Aquarelado – Visconde de Araruama 1860 (Acervo do MHCG)

A leitura dos inventários, testamentos, atas de batismo e cartas de legitimação revela a distinção,dentro do universo da ilegitimidade, da prole nascida fora do matrimônio.Havia um tratamento distinto aos filhos incestuosos, cuja origem do nascimento significava um impedimento legal e moral para seu reconhecimento e posterior sucessão dos bens dos pais.

Por este motivo os filhos de João Antonio de Barcelos Coutinho, acabaram não herdando seus bens. O “Auto de Perfilhação” foi sucessivas vezes questionados por sua tia e também sogra Ana Francisca Velasco de Barcelos Coutinho. Presumiu-se, que estes fatos tenham ocasionado que a sua única tia herdasse todos os bens deixados pelo sobrinho e de seu irmão.

Daí entende-se, mesmo não concordando, como este casarão foi passado de tio para sobrinho, já que a Ana Francisca Velasco de Barcelos Coutinho teve com seu esposo, o capitão Manuel Carneiro da Silva, cinco filhos, dentre estes, o seu filho preferido – José Carneiro da Silva, o Visconde de Araruama, nascido em 21 de maio de 1788, na fazenda Mato de Pipa, na freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Capivari, atual município de Quissamã. Herdeiro considerado legítimo do emblemático sobrado pertencente ao seu tio José Caetano Barcelos Coutinho, situado na praça principal da cidade de Campos dos Goytacazes – RJ. Onde residiu com sua esposa Francisca Antônia Ribeiro de Castro.

Solar do Visconde de Araruama – Séc. XIX. (Foto: Acervo do MHCG)

O emblemático solar apresenta em seu interior cômodos generosos, além de um esplêndido pátio interno. Sua fachada principal é voltada para a Praça do Santíssimo Salvador e aos fundos existe um pátio posterior que dá acesso à Rua Barão do Amazonas. Neste pátio posterior ficavam instaladas as cocheiras por onde saíam os tílburis na época do Visconde.

A trajetória de utilização desta edificação pelos órgãos públicos da cidade antes de ser a sede do Museu Histórico de Campos, se inicia anos após o falecimento do Visconde de Araruama, quando sua esposa Francisca Antônia Ribeiro de Castro, resolve se desfazer da residência. Em 28 de abril de 1870 este imóvel foi vendido pela modesta quantia de cinquenta contos de réis, para a Câmara Municipal de Campos. Mas essa é outra história que iremos tratar adiante…

Graziela Escocard – Historiadora e Diretora do Museu Histórico de Campos dos Goytacazes.
Instagram: @grazi.escocard
E-mail: graziescocardr@gmail.com
Cel.: 22 999391853

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