quarta-feira, 19 de maio de 2021

 

AMÉRICA LATINA SOFREU MAIS COM A COVID-19!

(The Economist/O Estado de S. Paulo, 16) Antes da pandemia, Jaime Alirio Pinilla, um homem de 45 anos que vive em Bogotá, capital da Colômbia, trabalhava em construção. “Mas, por causa dessa porcaria, perdi o emprego e agora ganho a vida na rua”, afirma ele, de trás do carrinho de metal que lhe serve como loja de suco de laranja, doces, cigarros e café. A Colômbia teve um dos lockdowns mais duradouros do mundo; e agora testemunha conflitos diários entre manifestantes e forças de segurança, enquanto protestos contra a situação econômica entram na terceira semana. “Ficamos trancados mais de um ano – e não conseguimos mais suportar essa situação”, afirmou Pinilla. “A economia está arruinada, não vivemos mais, estamos apenas sobrevivendo.”

A pandemia de covid-19 provocou a mais profunda recessão global desde a 2.ª Guerra. Mas uma região piorou mais economicamente do que qualquer outra – muito mais. O PIB mundial contraiu-se em 3% no ano passado, mas a taxa na América Latina e Caribe caiu 7%, o pior resultado registrado em qualquer região monitorada pelo FMI (mas o PIB da Índia, que equivale quase a um continente, caiu mais). Em 2020, os habitantes da América Latina trabalharam 16% menos horas, quase o dobro na diminuição global. Vários países da região tiveram quedas extraordinárias: o PIB do Peru, por exemplo, caiu 11% no ano passado. E ainda que algumas economias estejam agora retomando o ritmo, com o levantamento das restrições, na América Latina o clima é de pessimismo.

A explicação mais simples para o terrível desempenho da região está relacionada a saúde pública. Um modelo de estudo de mortes da Economist estima que América Latina e Caribe têm o mais alto índice de excesso de mortes durante a pandemia em relação à população dentre todas as regiões do mundo. Enquanto as vacinações em outras partes do planeta reduzem a disseminação da doença e os danos que isso causa, em muitas partes da América Latina o coronavírus se espalha livremente. No Brasil, onde o presidente populista, Jair Bolsonaro, se recusa a usar máscara e se vacinar, o número de mortes diárias chegou a ultrapassar 4 mil (agora está em cerca de 2 mil). Mesmo países que anteriormente foram bem-sucedidos em controlar a pandemia, como o Uruguai, estão vendo os números de casos explodir.

A disseminação da doença fez com que alguns governos da região implementassem os mais severos lockdowns do mundo. Uma metodologia de quantificação do Goldman Sachs, um banco, confere uma nota de zero a 100 para avaliar a severidade das regras de lockdown de um país, o grau de adesão às restrições e qualquer tipo de distanciamento social voluntário. Habitantes de nenhuma outra região ficaram tanto em casa durante um ano de pandemia quanto os da América Latina, onde o isolamento social foi 70% maior do que na América do Norte.

Argentina e Chile foram o segundo e o quarto país, respectivamente, com mais restrições no mundo. O Peru ocupa o topo da lista. Por lá, o primeiro lockdown lembrou os dias mais sombrios da guerra contra os insurgentes maoístas, no começo dos anos 1990. Ninguém tinha permissão para sair, a não ser para comprar alimentos. Policiais e soldados faziam cumprir estritamente o toque de recolher. Lockdowns tão severos tornam a atividade econômica impossível, mesmo que muitas das pessoas mais pobres da região não tenham outra escolha a não ser desafiar as ordens de ficar em casa e sair às ruas para tentar ganhar a vida.

De maneira incomum, grande parte dos habitantes da América Latina – uma região de enormes desigualdades – trabalha nas casas dos ricos, o que implica inerentemente numa mistura de lares. Para um artigo recente, Louisa Acciari, da University College London, pesquisou com colegas o trabalho doméstico em vários países e descobriu histórias de uso inadequado de equipamentos de proteção individual e violações de direitos. A primeira morte oficial de covid-19 no Rio de Janeiro, ocorrida em março de 2020, foi de uma empregada doméstica que havia sido infectada por sua patroa, de acordo com autoridades de saúde do Estado, que tinha viajado para a Itália e, segundo o relato, não se incomodou em chamar a empregada para trabalhar em sua casa mesmo sabendo que estava doente.

O fator final por trás do péssimo desempenho econômico da região é política fiscal. Uma maneira de medir se a resposta fiscal de um país à pandemia foi suficiente envolve a comparação de dois elementos: mudança no déficit orçamentário do governo do país e a sua perda na produção de riqueza. Tomando emprestada uma metodologia desenvolvida na pesquisa de um estudo do Goldman Sachs, The Economist calculou a adequação dos estímulos em reação à pandemia em 193 países. Muitos governos ao redor do mundo incrementaram seu gasto em um dólar para cada dólar de produtividade perdido. Uns poucos países, como Estados Unidos e Austrália, foram substancialmente mais generosos. A América Latina, apesar de implementar estímulos fiscais mais generosos do que em recessões passadas, foi mesquinha mesmo em relação a outros mercados emergentes, com países medianos injetando apenas US$ 0,28 em gastos extras deficitários para cada dólar perdido na produtividade.

Estímulos. O planejamento dos estímulos também foi insuficiente. Países com os planos mais bem-sucedidos repassaram enormes quantidades de dinheiro diretamente à população. Isso ajudou a quebrar o ciclo de perda de emprego e cortes em gastos domésticos, o que sustentou as economias. A América Latina, em contraste, concentrou seus principais recursos em outras áreas, incluindo o fortalecimento de mal financiados sistemas de saúde.

Mas nem todos os países latino-americanos tomaram esse caminho. No Brasil, os gastos do governo Bolsonaro compensaram quase completamente as perdas no PIB. Isso ajudou a reduzir a incidência de pobreza extrema mesmo com a pandemia dominando o país, apesar do nível de ajuda emergencial para lares pobres ter diminuído recentemente, apesar da fome e outras formas de privação estarem novamente em ascensão.

Ainda assim, alguns governos agiram de maneira curiosamente austera. Em nenhum lugar isso é tão verdadeiro como no México, liderado pelo autoproclamado esquerdista Andrés Manuel López Obrador. O insignificante programa de estímulo mexicano (de US$ 0,17 para cada dólar perdido) se origina nas sensibilidades monásticas e autárquicas de López Obrador, que o tornam instintivamente esquivo em relação a endividamentos, especialmente quando financiados por estrangeiros.

Na Colômbia, os protestos foram desencadeados por uma tentativa do governo de Iván Duque de implementar uma reforma tributária, em 28 de abril, que cresceram e passaram a abranger muitas outras insatisfações. Grande parte do descontentamento tem origem na percepção de uma resposta inadequada e incorreta à crise da covid-19, que levou 2,8 milhões de pessoas à extrema pobreza.

A carnificina econômica não durará para sempre. Mas o crescimento anual no PIB de 3 a 4% que América Latina e Caribe podem esperar, uma vez que as restrições sejam levantadas com segurança é bem mais baixo do que as taxas esperadas nos EUA e em outros países. Uma recente elevação nos preços da commodities vai ajudar menos do que muitos esperam: o índice geral de preços de commodities no mundo permanece abaixo de onde esteve durante grande parte do período seguinte à crise financeira global. E por causa dos estímulos pífios, os lares não acumularam poupanças significativas como nos países mais ricos, então, não haverá nenhuma onda de gastos pós-pandemia. Como demonstram os protestos na Colômbia, a região mais atingida pela pandemia está diante de mais problemas.

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