Portela e União da Ilha superam em alegria e competência Beija-Flor, Salgueiro e Unidos da Tijuca
RIO - Às favas o frigir dos décimos do júri cri-cri do desfile. Às calendas o rigor técnico dos quesitos, repressores da espontaneidade foliã. Aos diabos a nota dada pela força da bandeira e do nome da escola. Se o negócio é o carnaval, a festa de beleza e alegria irresistíveis que enfeitiça o mundo, a maratona das grandes do samba em 2014 consagraria Portela e União da Ilha. As duas superaram, em alegria e competência, bichos-papões como Beija-Flor, Salgueiro e Unidos da Tijuca e, se os critérios forem a precisão e a entrega na pista e a paixão do público na plateia, merecem mais do que qualquer outra disputar o título do carnaval. Para completar a segunda-feira obediente à tradição - muito melhor do que o domingo -, a Mocidade Independente surpreendeu com a superação dos problemas e uma apresentação de pura felicidade dos componentes.
PORTELA
Nada será maior, no carnaval de 2014, do que o arremate da ressurreição portelense. Num trabalho admirável, a atual diretoria da escola, que assumiu no meio do ano passado em meio a dívidas apocalípticas (aproximadamente R$ 14 milhões), prometeu um grande desempenho - e cumpriu. A azul e branca de Oswaldo Cruz, ainda a maior campeã da festa, mas submetida a um jejum de três décadas, conjugou modernidade com o respeito às suas tradições. Começando - claro - pela águia, a ave que voa mais alto, símbolo da escola. Ela apareceu em vários momentos do início da apresentação: voando de verdade, num drone alegórico; no tripé da comissão de frente, onde fechava as asas para uma transformação dos componentes; e no abre-alas, o tsunami de águias, com nada menos do que 22.
A metamorfose de uma das mais tradicionais grifes da folia continuava pelas alas e alegorias, todas muito bem acabadas como há muito não se via, dentro do enredo sobre a Avenida Rio Branco. O Rio "de terno linho e chapéu panamá" que iniciava seu sonho de Paris tropical passou na avenida, com direito ao Valongo, o Theatro Municipal, a Cinelândia e a finada decoração de carnaval (inspirada em Fernando Pamplona).
Mas a alegoria de maior sucesso foi a penúltima, o gigante que se referia às manifestações que historicamente ocupam a principal via do Centro. Uma escultura humana, pintada nas cores da bandeira brasileira, que alcançava 18 metros de altura, era erguida, como se despertasse de um sono. O público da Sapucaí aplaudiu seguidamente a performance - e a partir dela, iniciaram os gritos de "é campeã", ainda no Setor 2, algo raro na história recente da festa.
Outro item decisivo para o sucesso foi o acerto do samba. Um dos mais elogiados no pré-carnaval, veio mais cadenciado do que a versão do CD, e foi cantado com desenvoltura por rigorosamente todos os componentes. A Portela espalhou-se pela avenida como uma brincadeira de carnaval, um mar azul e branco de alegria.
- É o dia da consagração. A Portela se modernizou. Mas estamos aqui vigilantes da tradição. Este carnaval despertou nossa paixão - resumiu Monarco, 80 anos, líder da virada e presidente de honra da escola.
Outro líder da odisseia, o vice-presidente Marcos Falcon ratificava a aposta:
- A emoção é mais simples do que se imagina. A emoção não custa dinheiro.
O sentimento dominou os componentes desde o início. O mais famoso deles traduziu a euforia ainda na concentração.
- Hoje é um recomeço. A escola está otimista. Temos uma história e hoje estamos orgulhosos dessa história. É uma história de raiz, como o samba que começou aqui na Praça Onze - descreveu Paulinho da Viola que brindou a Sapucaí num dueto com Monarco para o esquenta da escola, o tradicional "Foi um rio que passou em minha vida".
UNIÃO DA ILHA
Passou e encantou - como fez a União da Ilha, também na esteira da sua tradição. A tricolor se reencontrou com seus melhores momentos ao cantar os brinquedos e brincadeiras. Com seu velho e bom colorido, que fez história em desfiles como "Domingo" e "O amanhã", a escola se divertiu - e divertiu o público também - na Sapucaí. O enredo estava bem resumido na comissão frente, poética e moderna, com o show das escolas no sambódromo hoje exige. Um imenso baú se abria, e uma dupla de velhinhos "voltava" à infância, reaparecendo como crianças. Completavam o espetáculo um soldadinho de chumbo e uma bailarina numa haste flexível que faziam acrobacias e causavam calafrios no público, porque pareciam que poderiam cair.
Dali em diante um festival de brinquedos fez o público viajar no tempo, com direito a uma encenação, em frente à bateria, das eternas batalhas de vilões e super-heróis de histórias em quadrinhos e desenhos animados. Um destaque foi a ala do Pac-man, jogo eletrônico ícone dos anos 1980. Tudo no ritmo vigoroso do puxador Ito Melodia, em mais um ano de excelência, e da bateria do estreante mestre Thiago Diogo (ex-Porto da Pedra).
Mas o desfile da Ilha não foi só folia e brincadeira. Vários carros passaram aperto para vencer a curva fatal da Presidente Vargas para a Marquês de Sapucaí. No último, a escola teve dificuldade para levar um dos destaque até o alto da alegoria. As agruras da tricolor voltaram na parte final da apresentação, quando a tela de LED do carro dos jogos eletrônicos apagou, tombou e só não caiu porque ficou presa do queijo de um destaque. Os contratempos não impediram a festa na Apoteose:
- Fizemos um desfile com a cara da Ilha e toda a alegria que o carnaval merece - comemorou o carnavalesco Alex de Souza.
MOCIDADE
Contentamento semelhante - com um molho de surpresa - viveram os componentes da Mocidade Independente de Padre Miguel. Uma crise política antes do carnaval (com mudança na presidência, por determinação da Justiça, a um mês do desfile) deixou os torcedores aflitos. Mas também parece ter injetado ânimo no povo da Zona Oeste. Mutirões dia e noite, com voluntários, foram organizados no barracão para terminar o carnaval. E depois de semanas de angústia para superar os atrasos e construir a "Pernambucópolis" do enredo, o que desfilou na Avenida foi a operação de um milagre.
A verde e branca homenageou um dos grandes carnavalescos de sua história, Fernando Pinto. E evolui solta, contagiando o público ao som do bom samba que falava no "Padim Padre Miguel". Houve aplausos para Monique Evans, lendária rainha de bateria, que voltou à escola no abre-alas. Aliás, os ritmistas da Não Existe Mais Quente fizeram o que sabem: mantiveram o ritmo e abusaram de paradinhas e convenções, para o delírio da Sapucaí.
Diante de um pré-carnaval tão conturbado, as fantasias do carnavalesco Paulo Menezes surpreenderam. Os carros também, estavam quase prontos... Porque os reflexos da crise antes da folia apareceram, sim, nas alegorias. Havia espaço para destaques desocupados, e o acabamento destoava das escolas mais ricas que passaram pela Avenida. Nada que tirasse a alegria dos independentes, felizes de terem se apresentado com a dignidade que a reverência a Fernando Pinto merecia.
- Foi um carnaval feito em três semanas, em que nós apenas cochilávamos. O público respondeu a nosso desfile. Isso que importa - dizia o carnavalesco Paulo Menezes.
Depois da reviravolta a um mês do carnaval, a família Andrade retornou à escola na figura de Rogério Andrade, que apareceu na Sapucaí para assistir ao desfile da verde e branco.
IMPERATRIZ
Se a Mocidade - que não vence um carnaval desde 1996 - respirou aliviada, outra campeã da folia carioca que também enfrenta um incômodo jejum foi mais longe. A Imperatriz Leopoldinense, sem título desde 2001, pode até sonhar com novos tempos de glória na Quarta-Feira de Cinzas, graças à força de um craque. Zico, o aniversariante da noite e protagonista do enredo da verde e branca, comandou a festa numa apresentação aplaudida, que uniu torcedores de todos os clubes em torno do deus rubro-negro. A escola passeou pelo universo futebolístico e levou à Avenida ex-jogadores da estirpe de Roberto Dinamite, Leandro, Andrade, Deco, Rivellino e Edmundo.
comissão de frente, criada por Deborah Colker, bateu um bolão literalmente, ao fazer embaixadinhas mirabolantes e encenar peladas pela Sapucaí. Ainda fizeram acrobacias e dançaram muito, para encantamento do público. Uma das melhores do carnaval.
Considerando que a plateia da passarela não era formada apenas por flamenguistas, foi interessante assistir ao modo como o ex-camisa 10 da seleção brasileira ganhou a aclamação unânime da Sapucaí. E a Imperatriz fez sua parte nesse jogo. Repetiu a boa atuação do ano passado e credenciou-se para a disputa do primeiro lugar na tabela da folia. Carrega, contra si mesma, imprevistos com alegorias que abriram dois buracos gigantescos na pista. Primeiro, com o abre-alas, o da chuteira gigante. Depois o próprio Zico teve dificuldades de subir na que o levaria pela pista e os componentes seguiram em frente, produzindo o problema. Para piorar, o carro ainda ficou empacado na temida curva de entrada na Passarela, quase batendo no estúdio da TV Globo, ali vizinho.
TIJUCA
O outro ídolo do esporte brasileiro celebrado na maratona de samba de 2014 foi Ayrton Senna, celebrado pela Unidos da Tijuca no enredo sobre velocidade. O esperado carnavalesco Paulo Barros radicalizou em sua estética, com carros sem enfeites típicos do carnaval. Ele construiu um rali, no qual o vencedor seria Ayrton Senna. O GP Tijuca reuniu vários personagens do universo pop, como o jamaicano Usain Bolt, o herói dos quadrinhos The Flash, o guepardo (felino africano que corre mais rápido entre os animais) e vários integrantes da "Corrida Maluca", o velho desenho animado de Dick Vigarista e Penélope Charmosa. A famosa comissão de frente mostrou uma disputa entre todos eles, mas quem vencia era o bailarino que representava Senna, que até desfilava num carro de Fórmula 1 e, depois, interagia com o casal de mestre-sala e porta-bandeira Julinho e Rute.
Não houve o arrebatamento que acompanha a trajetória de Paulo Barros. O enredo difícil de ser desenvolvimento engarrafou a apresentação da escol, que cantou com aplicação o samba apenas correto de 2014. Mas a Tijuca cantou, brincou e ganhou direito de sonhar: está no páreo para 2014.
VILA ISABEL
A escola que, definitivamente, se despediu melancolicamente da disputa do título foi a Unidos de Vila Isabel, campeã do carnaval de 2013. A azul e branca não conseguiu vencer a derrocada em que se meteu no pré-carnaval. Os atrasos se confirmaram diante de todo o público num desfile acidentado como poucas vezes. O maior drama foi vivido com as fantasias. Dezenas de componentes passaram com roupas civis ou figurinos incompletos, num cenário muito raro na era contemporânea do luxuoso desfile da elite do samba.
O problema da Vila começou cedo. Integrantes de uma ala foi ao barracão buscar sua roupa pela manhã e acabaram recebendo-as minutos antes de a escola pisar a avenida - e mesmo assim, incompletas.
- Isso é um absurdo. Corríamos o risco de nem desfilar e a escola seria prejudicada. Nós estamos fazendo a nossa parte pela escola, mas eles (os dirigentes) não estão fazendo a parte deles - disse uma componente da Águas Africanas, que pediu para não ser identificada.
Numa visita à concentração da Vila, o puxador Tinga, revelado na escola e hoje na Unidos da Tijuca, não segurou o choro, diante da situação desoladora. Lágrimas também desceram pelo rosto de vários diretores de harmonia e componentes mais antigos da azul e branca. De sua parte, o presidente de honra, Wilson Moisés, classificou como pontuais os problemas. A diretoria atribuiu a falta de fantasias ao atraso da entrega de um ateliê terceirizado.
Logo no começo do desfile, os primeiros transtornos. Os componentes do abre-alas esperaram até o último minuto, mas não receberam a parte que faltava da fantasia. O resultado foi um desfile de shorts dos mais variados modelos, porque faltou a parte de baixo.
A solitária boa notícia do carnaval da escola do bairro de Noel em 2014 foi o canto dos seus integrantes, mesmo sem adereços como chapéus das fantasias.
- O que a Vila Isabel tem de mais forte é sua comunidade aguerrida - consolou-se Evandro Bocão, o vice-presidente.
No caso da ainda campeã do carnaval, só a tradição salva.
Fechada a conta, parece que Salgueiro e Portela dividem as maiores chances para conquistar o título do carnaval. Mas a disputa está muito embolada, com Beija-Flor, Imperatriz, Grande Rio e Tijuca. Garantia de emoção até a abertura dos votos dos jurados, nesta quarta-feira. Porque carnaval bom é assim: não acaba!
Leia mais: http://extra.globo.com/noticias/carnaval/portela-uniao-da-ilha-superam-em-alegria-competencia-beija-flor-salgueiro-unidos-da-tijuca-11781035.html#ixzz2v0lOb6o4
Nenhum comentário:
Postar um comentário