memória.
14 h ·
Há 1 ano
EUSÉBIO DE QUEIRÓS EM QUISSAMÃ
José Caetano, também conhecido como Juca, com passadas fortes e determinadas de jovem e ativo fazendeiro que era, subiu as escadas do torreão que fica à direita da magnífica sede colonial de 48 quartos, que compunha o sólido conjunto de prédios que tinha ainda o majestoso engenho de elevadas torres, brancas paredes e pardacentos pilares, ao sul, e a vasta senzala e estrebarias, ao norte, formando um belo complexo fabril, localizado numa quase península, tendo a frente e ao lado o canal Campos Macaé, onde achava-se sentada a Fazenda Quissamã, rica propriedade de açúcar do Visconde de Araruama, que desde a visita do Imperador D. Pedro II em 1847, deixou gravado nesse lugar e no coração dos seus habitantes, um certo ar de corte, para delícia dos seus moradores e dos arredores.
Juca, futuro Visconde de Quissamã, que iria desposar a sua sobrinha e prima Ana Francisca daí a uma semana, naquele fevereiro de 1858, ano da inauguração do seu Engenho São Miguel, encontrou no alto do torreão o jovem irmão caçula João José, com 18 anos, que chegaria mais tarde ao título de Barão de Monte do Cedro, amante da literatura, prestes a iniciar os estudos na Faculdade de Direito de São Paulo, e que, naquele fim de tarde de verão, avesso ao burburinho que subia pelo torreão, dos familiares e convidados que se encontravam na casa, apreciava um havana sentado na rede de pita, dando longas baforadas, entremeadas com goles de cerveja, embriagado na leitura de Quentin Durward de Walter Scott, romancista escocês que ilustrava os aspectos da vida regional do seu país. João José indagou ao mano qual a razão daquele afobamento, ao que Juca retrucou que estavam todos lá em baixo esperando ele, prontos para fazerem o plantio do Baobá, espécie vegetal típica da África, trazido pelo Conselheiro Euzébio de Queirós como presente ao seu pai, Visconde de Araruama, para simbolizar a união das duas famílias que aconteceria também daí a uma semana, com o casamento de Rachel Francisca, última filha solteira do Araruama, e Eusébio de Queirós Mattoso Ribeiro, filho do Conselheiro.
Ao descerem do torreão, atravessaram a pequena sala que anos atrás funcionava como local de aulas para os filhos do Visconde, e adentraram a agradável varanda que fica no meio da casa, e que dá entrada para duas salas de visita, tendo no extremo oposto à sala de estudos, um o oratório primorosamente decorado. A varanda, com colunas de madeiras, teto com molduras e bordados e escadas de pedra cantaria, era o local da casa mais concorrido para palestras e jogos, por ser o mais arejado e com vista privilegiada para o belo jardim, a alameda de palmeiras imperiais e o canal Campos Macaé, mais adiante, a cerca de 300 metros.
João José, ao avistar o grupo de anciãos sentados em cadeiras no canto direito da varanda, erudito que era, imaginou que aquela cena caberia perfeitamente em um quadro de Michelangelo, dado os semblantes astutos, inteligentes e perspicazes daquelas figuras que tantas realizações importantes já haviam proporcionado àquele belo império americano.
O Visconde de Araruama, figura notável, muito culto, escritor de vários livros, entre eles o Memórias Topográficas e Históricas - Os Campos dos Goytacazes, abastado produtor de açúcar e cachaça, político influente que chefiou o partido conservador, sustentáculo do império, por vários anos, pai de uma família numerosa de 10 filhos, os quais fizeram casamentos importantes que reforçaram o seu prestígio político, estava ladeado pela Viscondessa de Araruama e pelo Conselheiro Eusébio de Queirós Mattoso.
O Conselheiro, além ser um dos líderes do Partido Conservador, foi Deputado, Senador e ministro da Justiça, tendo realizado como tal a lei que acabou com o tráfico negreiro no país, que ficaria conhecida como Lei Eusébio de Queirós. No ano anterior, em 1857, quando ficou viúvo, a convite do Barão de Vila Franca, veio passar uma temporada em Quissamã, ficando hospedado com sua família na casa de Mato de Pipa, que pertencia na época ao Vila Franca. Essa aproximação com a família Araruama resultou em vários casamentos, de maneira que 3 dos seus cinco filhos, e uma neta, filha única da sua caçula Catarina, casaram-se com os Carneiro da Silva, de forma que, todos os descendentes de 4 filhos seus, também descendiam do Araruama. O primeiro matrimônio ocorreria daí a uma semana, entre seu filho Eusébio e a filha do Visconde, Rachel, a última solteira, que apesar da sua beleza, que segundo relatos encantou D. Pedro II por ocasião do casamento do outro filho, Bento, em 1847, já estava com 25 anos, idade avançada para uma moça solteira naquela época, já que estava determinada a não casar com nenhum parente, e sim com quem lhe tocasse o coração.
Completavam o grupo de notáveis o Silveira da Mota (Barão de Vila Franca), genro do Visconde, que fora governador do Ceará e do Rio de Janeiro, Conselheiro João de Almeida Pereira, também genro do Araruama, que também foi Governador do Rio de Janeiro e Ministro da Pasta do Império, Joaquim Ribeiro de Castro e Julião Ribeiro de Castro, ambos cunhados e genros do Visconde, grandes produtores de açúcar em Campos, além dos filhos mais velhos do anfitrião, Bento e Manoel.
Na escada da varanda, entre animadas conversas e jogos de palavras, encontravam-se os jovens, na faixa de 20 a 35 anos, a maioria descendente do Visconde, e também os filhos do Eusébio de Queirós. Juca que estava organizando a cerimônia do plantio do Baobá convidou a todos para seguirem ao local aonde seu pai havia escolhido para abrigar a espécie africana que recebera de presente do Conselheiro Eusébio.
No local escolhido, à esquerda do solar, de quem olha de frente, fora do jardim, num descampado para permitir o livre crescimento da futura robusta árvore, próximo as palmeiras imperiais, foi organizado uma pequena cerimônia, já que encontravam-se presentes tantas figuras ilustres, habituadas a pompas e circunstancias.
Eusébio, que ostentava um colar com semente de Baobá encrustada numa delicada armadura de ouro, iniciou a fala, destacando que o Baobá é o símbolo vegetal da África, continente da sua terra natal, Angola, o qual o seu pai havia sido Ouvidor-Geral, e que, por ser uma árvore milenar, de porte sólido e vigoroso, o seu plantio nas terras da fazenda Quissamã teria o simbolismo de unificar de forma duradoura as duas famílias, Queirós Mattoso e Carneiro da Silva, desejando que essa união durasse por séculos.
O Visconde de Araruama corroborou o desejo de que aquela união familiar fortaleceria os laços de amizades entre duas importantes linhagens do Império e que renderiam muitos frutos e descendentes, desejando uma prole numerosa aos nubentes que iriam se casar, sem saber que mais 3 casamentos uniriam futuramente as duas famílias.
Terminada a cerimônia, com o sol já quase se pondo, o grupo voltou para a casa Quissamã e ficaram em animadas conversas na varanda e jardim do casarão, numa atmosfera de felicidade e júbilo que contagiava a todos. Às oito horas da noite, a Viscondessa de Araruama convocou familiares e convidados para o jantar.
Na vasta sala contígua a de visitas, que estava brilhantemente iluminada, e continha em todo seu comprimento uma grande mesa elástica de mogno, onde admirava-se a grande profusão dos manjares reunidos ao bom gosto e esmero das iguarias. O papel de parede da sala representava cenas do tempo do Rei Luís Philippe da França, aqui via-se uma confidência de amor, ali uma conferência política, cá um duelo e lá um baile; era, em fim, um quadro perfeito daquele reinado.
Os comensais se deliciaram com o diversificado menu, com destaques para os robalos da lagoa Feia, carapebas da lagoa de Carapebus, saborosa carne de porco, perus com recheios inesperados e acompanhamentos diversos. Para sobremesa, a variedade de doces era igualmente vasta e sortida, não podendo ser diferente numa propriedade produtora de açúcar, com destaque para bananadas e goiabadas feitas em tachos de cobre, pasteis de natas, quindins e frutas cristalizadas.
Finalizado o banquete, o Visconde de Araruama, conhecido pela sua numerosa descendência como Pai de Todos, satisfeito com a bela e concorrida reunião familiar, convidou o Conselheiro Eusébio, o Silveira da Mota e os demais integrantes da velha guarda para uma pacífica palestra e apreciarem um charuto na varanda, contemplando a maravilhosa lua com seus raios refletidos no canal Campos Macaé. Enquanto isso, os jovens se reuniam na sala de visitas em torno do piano onde Manoel de Queirós Mattoso se revezava com sua irmã Mariquinha (Maria Isabel), elegante jovem, tocando animadas valsas e polkas para delírio dos rapazes e moças que se esbaldavam em reviravoltas, cumprimentos e tudo mais que faziam parte da dança russa, que tanto apreciavam.
* Nota do autor-:
Os fatos aqui narrados foram baseados no diário do Barão de Monte de Cedro, descrito por ele como “Recordações de Quissamã” em fevereiro de 1858, onde descreve detalhadamente um dia na fazenda do seu pai com a presença de todas as figuras ilustres descritas neste texto.
O autor desse artigo, com licença poética, descreve que nesse dia teria ocorrido o plantio do famoso Baobá na fazenda Quissamã, o que, na verdade, é apenas uma teoria minha, sem nenhuma menção no diário do Barão nem comprovação por escrito disso, apenas fruto da imaginação que tal espécie vegetal, tão cultuada em Angola, terra natal do Eusébio, que valorizava tradições africanas, aja visto o colar que tinha com a semente da Baobá, que cheguei a ver com uma tia em festas de casamento, poderia sim ter presenteado o Visconde de Araruama com uma muda desta planta e o V.A. ter escolhido um local nobre para o seu plantio. Os demais fatos narrados são verdadeiros.
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