domingo, 3 de outubro de 2021

 

Inspire-se na criança que você foi para educar seus filhos

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*por Claudia Queiroz

Às vezes me pergunto sobre a sorte de ser mãe. É uma tarefa trabalhosa, eu sei, mas que outra chance teria eu em renascer a essa altura da minha vida?

Maternar uma criança nos apresenta o desafio de rever nossa própria história e melhorar ainda mais com ela, sempre que exercitamos a empatia com nosso pequeno aprendiz.

Eu tenho uma versão menor de mim atenta, gritando para ser ouvida, toda vez que me deparo com situações corriqueiras da infância da minha filha. Do choro mal compreendido às explosões de raiva…, hoje sei que criança alguma “testa” os pais ou quer “provocar”. Elas não têm capacidade intelectual para articular algo assim. Esta é mais uma interpretação que fazemos para justificar certas verdades… Diferentes de nós, elas estão conectadas com os desejos delas e sabem o que querem, por isso defendem seus interesses do jeito que sabem e podem para chamar nossa atenção e conseguir seus objetivos.

Quando me coloco diante da vulnerabilidade da Gabriella, a filhinha, atualmente com 5 anos, mergulho numa jornada linda de fazer as pazes com a minha criança interior.

Educar a pequena tem me ajudado a compreender as limitações que vivi e a me libertar de algumas emoções mal compreendidas ou reprimidas que guardei a sete chaves. Agora, adulta, posso renomear a vivência com um pouco mais de amorosidade. Aliás, quantas crianças podem expressar o que sentem ou pensam sem o risco de serem castigadas ou imediatamente punidas?

Faço parte de uma nova geração de educadores, que acredita na comunicação não violenta, no poder do acolhimento e na disponibilidade de apresentar o mundo inteiro para minha menininha degustar, desvendar, descobrir e curtir, do jeito dela, respeitando especialmente as diferenças que surgirem.

As discussões que acontecem por descontrole são da minha criança interior ferida, como gota d´água, de algo que ninguém tem culpa. Significa que algo não resolvido internamente entra em estado de alerta máximo, manifestando o desejo de ser atendida, ouvida, sentida, respeitada. (Isso inclusive é um pensamento coringa para as discussões com qualquer pessoa, tá?)

Porque sim não é resposta

Sou de uma geração criada com frases poderosas, que nos reduziam há nada. “Engole o choro” (porque o que sentíamos não tinha importância), “Quando você crescer, poderá fazer o que quiser” (como alguém aprende sem treinar enquanto ainda é permitido errar?), além de tantas outras clássicas, como “lá em casa a gente conversa”, “Já falei e ponto final”, “Porque sim”, ”Não fez mais que a sua obrigação”…

Não estou aqui aproveitando a oportunidade para reclamar dos meus pais… (Risos com respeito). Eles fizeram o que achavam que era certo, numa época com bem menos informação que hoje. Errada seria eu, que sofri me distanciando da minha essência para ser a criança boazinha (porque queria agradar aos outros) me vingar da minha filha só porque agora o poder é meu! Digo isso porque a maioria dos pais não questiona sobre a educação que recebeu e passa, inclusive “os erros” adiante…

Na juventude, imperavam os argumentos sobre hierarquias. Pais mandam, filhos obedecem. Mas desde aquele tempo eu respondia: me respeite também, eu sou filha! Daí eu me ferrava. Risos de novo, até porquê meus pais virão almoçar na minha casa hoje e esse DR (discussão de relação) não faz mais sentido agora. E eu nem falei das palmadas e castigos… (kkk).

Crescer é dar as costas para aqueles que mandavam na nossa infância (dominavam as vontades) e se voltar para as necessidades de quem depende de nós. Mais do que isso, é enxergar minha filha como uma pessoa pequena, que sente, tem desejos, raiva, sofrimentos, tristezas, angústias, ansiedade, medos, dentre tantas outras emoções que tenho um enorme prazer em nomeá-los dentro de cada contexto. Só assim será possível compreender o universo que habita dentro dela. Ela quer provar a vida e eu tenho que auxiliar na condução, mas o caminho é sempre dela.

Ela gosta de causar

Preparar uma filha vai muito além de gestar antes de nascer. O fermento da vida inteira da nossa relação precisa ser baseado na honestidade e reconhecimento das minhas falhas, nas virtudes e intenções de acerto, conscientes de que cada movimento gera reações que não controlo, vindas dela. A graça de tudo isso é que percebo e acesso em mim, numa espécie de realidade paralela, o que eu sentiria na posição da filhotinha. Instantaneamente me conecto com o passado, revivo a memória emocional e com mais recursos de compreensão, faço as pazes comigo.

Observar uma criança desabrochar é a experiência mais gratificante da existência humana. E não é exclusividade de mãe expectadora. Pais, avós, tios, amigos, todos podem aprender a observar uma criança se colocando no mundo do jeitinho inédito delas, desde que a autoconfiança que ela sente não seja abalada por limitações impostas…

Dia desses, minha filha quis criar um “estilo” próprio. Usou vários acessórios no cabelo, escolheu a combinação da roupa e finalizou a produção com uma bota de cada cor. Não eram do mesmo par, mas e daí, né? Passeamos a pé e ela “causou”. Cumpriu com o ineditismo da experiência. Atraiu os olhares que queria e experimentou. Eu não ofereci resistência, ela estava confortável e tinha condições de bancar as “consequências” daquela escolha.

Soube mais tarde que fui comentada na portaria do prédio onde moramos como uma “mãe acima da média”. Tanto a zeladora quanto a porteira debateram o que viram, sem criticar a pequena. Surpresas com a minha permissão, reconheceram que a felicidade da menina era grande… Por isso pergunto: Quantas vezes tiramos dos nossos filhos este tipo de “prazer inocente”? Por que somos tão preocupados com as convenções sociais? O que é certo ou errado?

De uma coisa eu sei. Certo é agir dentro das quatro linhas do respeito, em segurança e sem prejudicar o outro. Existem limites para todas as coisas importantes, porque são balizas morais, mas precisamos aprender a costurar as tramas da cumplicidade com ideias incríveis e momentos únicos. Este é um exercício de confiança, capaz de desatar qualquer tipo de nó. Afinal, só o amor é a resposta para todas as coisas e amar, a gente aprende, amando (e não a mando, se é que você me entende).

Claudia Queiroz é jornalista.

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