sábado, 30 de abril de 2016


Sábado, 30 de abril de 2016 às 9:02  

Fotografei pessoas que nunca tinham sido atendidas por um médico, diz Araquém Alcântara

Araquém percorreu 20 estados e mais de 40 municípios para produzir o livro Mais Médicos, que retrata o dia a dia do programa que levou atendimento médico a 63 milhões de pessoas. Fotos: Blog do Planalto
Araquém percorreu 20 estados e mais de 40 municípios para produzir o livro Mais Médicos, que retrata o dia a dia do programa que levou atendimento a 63 milhões de pessoas. Fotos: Blog do Planalto
“Eu sou um fotógrafo andarilho”. É assim que Araquém Alcântara resume suas quatro décadas e meia de carreira como um dos precursores da fotografia de natureza no Brasil, apresentando um país de sertanejos, índios, pescadores e quilombolas. Aos 65 anos, o catarinense de Florianópolis parece um garoto quando fala de seu mais novo projeto: o livro Mais Médicos, que ganhou uma exposição no Palácio do Planalto.
“Fui a lugares em que nunca tinha ido médico. Fotografei pessoas que nunca tinham sido atendidas, lugares que não podem mais continuar sem a presença do Estado”, diz ele, que percorreu 20 estados e mais de 40 municípios durante cerca de um ano. Em sua vasta produção constam 47 publicações sobre temas ambientais, mais 22 em co-autoria, que resultaram em 32 prêmios nacionais, cinco internacionais e 75 exposições individuais.
Sobre o livro, Araquém deu entrevista exclusiva ao Blog do Planalto, após participar de cerimônia com a presidenta Dilma Rousseff, na sexta-feira (29), de anúncio da prorrogação da permanência dos médicos no Programa Mais Médicos. Para Araquém, a obra é um manifesto humanista sobre a sociedade brasileira. Isso porque o programa, iniciativa do governo federal, levou atendimento a 63 milhões de brasileiros.
“Todo o meu sentimento é de contribuir para que nós tenhamos uma verdadeira consciência do que é ser brasileiro, com arte, alegria, elegância e amor”, disse ao ceder imagens do livro para o acervo da Fundação Oswaldo Cruz. Confira a entrevista.
Blog do Planalto: Como surgiu a ideia de fazer um livro fotográfico sobre o programa Mais Médicos?
Araquém Alcântara: Bom, surgiu mais ou menos em setembro de 2014 quando um médico amigo meu, o doutor Fausto Figueira de Melo, assessor especial do ex-ministro Arthur Chioro, me falou do Mais Médicos. Estava aquela polêmica sobre o programa, e ele me mostrou umas fotos de onde estavam fazendo assistência e o programa estava atuando. Eu tenho uma editora, fiquei entusiasmado, falei assim: “Puxa vida, eu ando tanto por esse País e faço um trabalho tão humanista, vou dar uma olhada nisso ai”. Comecei a me interessar e resolvi fazer o livro. Nisso eu comecei a andar. Andei por 20 estados e cerca de 40 municípios em um ano e três meses. Resolvi fazer uma saga por achar que o programa foi me entusiasmando a tal ponto, que decidi fazer um manifesto humanista. Fizemos a doação desse material pra um arquivo museológico na Fundação Oswaldo Cruz. Isso é bom porque torna o trabalho perene, com exposições em Genebra, Cuba, Washington e no Rio de Janeiro, durante as Olimpíadas do Rio. Então é a fotografia como um instrumento de comunicação, um instrumento de transformação social. Não adiantam números, não adiantam as vezes palavras, é preciso mostrar a cara do médico, é preciso mostrar o lugar onde ele está. Eu acho que a minha contribuição, como sempre acontece nos meus livros, é revelar um país profundo e a verdadeira identidade, a verdadeira face desse povo.

Blog do Planalto: E o que mais te chamou atenção no programa?
Araquém Alcântara: O mais impressionante é a questão da presença do Estado. Há lugares em que nunca tinha ido médico. Eu fotografei pessoas que nunca tinham ido ao médico. Fotografei também lugares que não podem mais continuar sem a presença do Estado. Todo o meu trabalho, há muitos anos, há 46 anos, é trazer esclarecimento, é fazer com que as pessoas entendam qual é a verdadeira identidade desse País. Um Brasil, um País que não se reconhece, não pode crescer. Então meu trabalho luta, clama por uma identidade de nação, uma consciência de nação, que entra pela educação, pela saúde, pela ecologia. Nós ainda estamos engatinhando como nação.
Blog do Planalto: E teve algum momento especial que te marcou durante suas viagens pelo País para a produção do livro?
Araquém Alcântara: Muitos, muitos momentos emocionantes. É aquele negócio, eu chegava em comunidades, em lugares tão ermos, que eu acompanhava o médico no seu dia a dia, e isso me trouxe muitos encontros interessantes. Dois exemplos emblemáticos: um, a médica Aimê, de um lugar no interior de Alagoas. Ela viu que os arrozais provocavam esquistossomose nas crianças. Então, ela começou a trabalhar na erradicação disso, começou a trabalhar com a educação sanitária. Ela praticamente erradicou esquistossomose nessa região. E o outro é uma parteira, na comunidade quilombola de Poço Comprido, no sertão de Sergipe. Ela também é da umbanda, e se encontrou com um médico que foi destacado para lá, que é da santeria cubana. Os dois, através da espiritualidade e através de ações práticas, estão revolucionando a vida na região. Eu acho que é isso, o meu trabalho clama por essas transformações. Eu mostro isso, eu mostro também o lado que deu certo, eu não mostro só os horrores da devastação, os horrores da miséria.
Blog do Planalto: Como você avalia o processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff em curso no Congresso Nacional?
Araquém Alcântara: É um retrocesso político incrível. A economia está aí, estagnada. É terrível isso. Eu só espero que a gente aprenda a discutir dentro do campo da inteligência, da tolerância, das ideias. Eu mesmo, com esse livro, fui “patrulhado”, como falava a revista Pasquim antigamente. Eu faço o meu trabalho, tenho uma repercussão grande no mundo todo e a minha matriz criativa é o Brasil, a Amazônia, o sertão, o homem do sertão, o homem do litoral, a caatinga, o homem da mata e, mesmo assim, quando você vai fazer um trabalho humanista desse tipo, você sofre [patrulhamento]. Isso aí, para mim, é uma coisa insignificante, mas o que acontece no País não é. Hoje, é preocupante. Nós precisamos é de muitos manifestos humanistas, precisamos de mais humanidade.
Blog do Planalto: Então uma ruptura no processo democrático pode colocar em risco esses avanços sociais?
Araquém Alcântara: Acho. Pode acontecer um retrocesso muito grande, inclusive o próprio programa Mais Médicos. Pode acontecer qualquer loucura porque há uma possibilidade de perdermos avanços sociais. E o pior de tudo é que começam a surgir os fascistas. Os fascistas, que estavam entocados, começam a aparecer.
Blog do Planalto: E como a sua arte pode contribuir para um País mais justo?
Araquém Alcântara: Meu objetivo é atingir, é fazer com que o meu trabalho não atinja só uma parte da elite, uma parte do povo brasileiro. Vamos ver, eu já fiz 50 livros e espero ter fôlego para fazer mais 50, dando vida, mostrando o que pulsa. Você só capta o verdadeiro caráter de um povo se estiver entre eles, experimentá-lo. Como diz João Cabral de Melo Neto, “para aprender da pedra, frequentá-la”.
Blog do Planalto: Como você resume sua carreira até aqui?
Araquém Alcântara: Eu sou um fotógrafo viajante, um fotógrafo andarilho. Para entender esse País, só andando. Como diria Tom Jobim, “ah, o Brasil! O Brasil é para profissionais”. Todo o meu sentimento é de contribuir para que nós tenhamos uma verdadeira consciência do que é ser brasileiro, com arte, alegria, elegância e amor.

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