sábado, 2 de setembro de 2017

Vítimas e santos: Francisco e as feridas da guerra na Colômbia

AFP / John VizcaínoUm homem com um retrato do papa Francisco em 1 de setembro de 2017 em Bogotá
Com a primeira marretada, o sacerdote colombiano Pedro María Ramírez caiu de joelhos e pediu por perdão para seus assassinos. Quatro décadas mais tarde, em 1989, o bispo Jesús Jaramillo foi morto a tiros por uma guerrilha comandada por um padre.
Os dois vão ser beatificados pelo papa Francisco na viagem que começa nesta quarta-feira, na Colômbia, um país que foi devastado por décadas de violência e tenta acabar com o último conflito armado do continente, com a ajuda do pontífice latino-americano.
A Igreja católica deixou sua cota de sangue nos conflitos entre forças do Estado, guerrilhas, narcotraficantes e grupos paramilitares de extrema-direita.
Desde 1984, foram assassinados dois bispos e 89 sacerdotes. Outros 23 religiosos foram sequestrados, inclusive cinco padres, segundo a Conferência Episcopal da Colômbia.
Num país livre de conflitos religiosos, Francisco, de 80 anos, vai reconhecer o martírio do padre Ramírez e do bispo Jaramillo em uma visita apostólica de cinco dias.
- 'Pai, perdoai-os' -
Em 9 de abril de 1948, teve início a violência que marcou o século XX na Colômbia. Neste dia, foi assassinado, em Bogotá, o dirigente liberal Jorge Eliécer Gaitán e, no dia seguinte, numa esquina de Armero, um povoado no centro da Colômbia arrasado por uma avalanche vulcânica em 1985, morria de joelhos o pároco Pedro María Ramírez.
Conservadores e liberais se enfrentaram em uma guerra sem quartel nas cidades e nos campos. Do enfrentamento, surgiram os primeiros grupos guerrilheiros e paramilitares.
O padre de Armero recebeu uma marretada nas mãos dos seguidores de Gaitán, que acusavam a Igreja de se aliar aos seus adversário e de incitar, nos púlpitos, a morte dos liberais.
Diante de seus assassinos, Ramírez gritou "Desejo morrer por Cristo", segundo contou à AFP o diretor de doutrina da Conferência, Jorge Bustamante.
Enquanto agonizava, ensaguentado, ele clamou: "Pai, perdoai-os, tudo por Cristo". Ele recebeu, então, um golpe de vara e uma última marretada. Tinha 49 anos. Seus restos foram depositados no cemitério de seu povoado natal, La Plata, a cerca de 400 quilômetros de Armero.
Antes de sua beatificação, Ramírez já tinha fama de santo. "Todo mundo teve fé nele, muitos peregrinos vêm visitá-lo quase todos os dias", contou à AFP Rodrigo Fajardo, morador de La Plata de 70 anos.
Na próxima sexta-feira, ele será beatificado por Francisco porque foi um homem que viveu sua fé "com heroísmo" e se comprovou que "sua morte foi por um ódio à Igreja", segundo Bustamente.
- 'Cometemos um erro' -
AFP / Daniel MartínezImagem do bispo colombiano Jesús Emilio Jaramillo, fotografiada na igreja de Santa Bárbara de Arauca em 30 de agosto de 2017
Corria 1989. Na segunda-feira, 2 de outubro, o monsenhor Jesús Jaramillo andava de carro numa estrada de Arauca, na fronteira com a Venezuela, com quatro religiosos.
Um grupo de guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional (ELN) reteve o prelado e o sacerdote Elmer Muñoz, e deixou os outros seguirem. Os rebeldes recriminaram o bispo por sua proximidade com militares. Antes de ficar sozinho com os captores, o bispo pediu ao padre para se confessar", segundo relatou Muñoz.
No dia seguinte, o corpo de Jaramillo apareceu numa lixeira, com sete tiros, sem a corrente e o anel bispais. Por sua "imparcialidade e por condenar a violência, creio que o assassinaram. Por não se deixar manchar por nenhuma ideologia", aponta à AFP Álvaro Hernández, atual pároco da igreja Maria Auxiliadora de Arauca.
Jaramillo foi assassinado por uma guerrilha então comandada pelo padre espanhol Manuel Pérez, que morreu em 1998 por uma doença.
O ELN tinha surgido em 1964, sob influência da Revolução cubana e da Teologia da Libertação, corrente da Igreja católica de proteção aos mais pobres.
Após décadas de luta contra o Estado, os rebeldes hoje negociam um acordo de paz similar ao permitiu o desarmamento e a transformação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em um partido político.
Pablo Beltrán, chefe de negociação do grupo, descreveu a morte de Jaramillo como um erro.
"Reconhecemos isso e pedimos perdão por esse erro", afirmou o líder guerrilheiro em uma entrevista às vésperas da beatificação de uma das vítimas do conflito na Colômbia.

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