domingo, 5 de dezembro de 2021

 NESTE DIA

Há 1 ano
5 de dezembro de 2020 
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O IMPERADOR E O MAIOR CANAL DO MUNDO
Às quatro da manhã em ponto a S.M.I. e sua comitiva saíram da residência onde estavam hospedados, em companhia do Barão de Araruama, e seguiram para o trapiche do Rattón onde haviam chegado no dia anterior. Durante o caminho, pode sua majestade observar ao longe da vila a beleza do monte do Frade, na serra de Macaé, que suas sombras no crepúsculo da manhã o tornavam mais semelhante a um capuz de frade, que inspirou a população local a lhe dar esse apelido.
Ao chegar no pequeno porto uma prancha de madeira preparada pelo Ráttón com uma lona, já estava pronta para conduzir a comitiva pelo trecho inicial do canal Campos Macaé, onde seguiriam navegando por 2.400 braças ( cerca de 5 km), até a o porto do Barreto.
Com o apoio dos produtores de Campos, que naquela altura juntamente com Quissamã formavam uma das principais praças de produção de açúcar e cachaça do Império, voltando a ser o principal produto de exportação da nação, o Barão de Araruama, que era deputado provincial, em 1837 conseguiu aprovar a Lei que autorizava fazer estudos para a construção de um canal unindo o município de Campos a Macaé, com o objetivo de melhorar o escoamento da produção de açúcar.
Até então toda a produção de Campos e região era escoada pelo porto de São João da Barra, na foz do Rio Paraíba, que era muito perigoso com as constantes secas e enchentes do rio, fazendo com que, não raro, navios carregados de açúcar apresentassem sinistros.
Com os estudos e projetos concluídos e aprovados, em 1844 D. Pedro II concedeu autorização e liberou parte dos recursos necessários para a construção do que viria a ser a maior obra de engenharia do Império, tendo como principal responsável pelas obras o Barão de Araruama, seu idealizador e mentor. Além dos recursos governamentais os senhores de engenho também investiram na colossal obra, que duraria 17 anos para ser concluída, com 102 km de extensão com largura média de 11 m e profundidade em torno de 2 metros, totalmente escavado com mão de obra escrava, tornando-se o maior canal do mundo na época, superado logo em seguida pelo Canal de Suez, concluído em 1869 com 160 km.
Durante o trajeto, o Barão de Araruama falava com entusiasmo para o Imperador, do avança dos obras do canal Campos Macaé, que naquela altura estava com dois trechos prontos: Macaé até o Barreto com 2.400 braças ( 5 km); e Alto Grande em Quissamã até a localidade de Travege, bem próximo a cidade de Campos, com 24.000 braças ( cerca de 49 Km). No total o canal já estava com 9 léguas pronto ( 54 Km), de um total de 17 léguas ( 102 Km) quando fosse concluído.
No porto do Barreto, já aguardavam a comitiva um grande número de pessoas lideradas pelo rico fazendeiro major Bento Gonçalves da Silveira e seus familiares, que promoveram mais uma queima de fogos para saudar o Imperador. Muito simpático o monarca cumprimentou a todos.
Às 8 horas em ponto D. Pedro II, na companhia do presidente da província do Rio de Janeiro e do ministro da Fazenda, embarcou na sege providenciada pelo Barão de Araruama, puxado por 8 cavalos. Dois batedores tirados da cavalaria nacional precediam a carruagem imperial. Haviam ainda mais 7 seges para levar a comitiva até Quissamã além de vários cavalos selados, todos providenciados pelo Barão.
Segundo o cronista Reginaldo Muniz Freire, que acompanhava D. Pedro II, responsável pelos relatos desta memorável viagem imperial, escreveu no livro Itinerário da Viagem da S.M.I. à Província do Rio de Janeiro, que “ o Barão tudo preveniu, e seguramente nada faltou, fazendo todos a viagem com comodidade e satisfação. Não há dúvida que ele é um perfeito fidalgo, e o mais nobre e rico cavalheiro da província. Não houve nada que não empregasse, adivinhava mesmo as mais pequenas coisas para obsequiar o seu soberano e as pessoas que tinham a honra de acompanha-lo, terminando por uma recepção verdadeiramente regia no palácio da sua baronia”.
O séquito chegou a fazenda Gerebatiba por volta de 9:00 onde o seu proprietário o tenente coronel Joaquim de Souza Meirelles preparou um almoço para o Imperador e seus acompanhantes. Uma hora após, seguiram viagem com mais uma saudação de vivas e fogos como já haviam feito na chegada.
Depois de longa caminhada terrestre, transportados pelos vigorosos equinos, o cortejo finalmente chegou a localidade de Alto Grande em Quissamã ás 3:30 da tarde, onde uma barraca providenciada pelo Barão de Araruama estava com serviçais que ofereciam água, sucos e frutas cristalizadas com açúcar, que haviam sido enviadas pela Baronesa de Araruama. Depois de um rápido lanche embarcaram todos nas 2 pranchas com coberturas lindamente ornamentadas com bougainvilleas lilás e rosa chá para conduzir o Imperador e sua comitiva.
Mais uma vez o Barão surpreendeu a todos, quando providenciou para que navegasse ao lado da barca que conduzia S.M.I., uma canoa com barítonos negros, da fazenda Quissamã, fazendo com que esse último trecho da viagem se tornasse o mais aprazível.
Ao chegarem no porto da Fazenda Quissamã um grande números de abastados fazendeiros da região e pessoas em geral aguardavam S.M.I. que ali ficaria por 36 horas. Mais uma vez, conforme protocolo, houve uma queima de fogos, desta vez a mais espetacular até aqui, que junto com vivas e as badaladas do sino da igreja Nossa Senhora do Desterro, que ficava a 500 metros da fazenda, faziam uma animada algazarra para saudar o jovem Imperador, que apesar da longa jornada, se mostrava animado e com bom humor, encantando a todos.
No trajeto de 300 metros que separava o porto no canal Campos Macaé até a espetacular sede da fazenda Quissamã o séquito percorreu a pé atravessando a linda alameda de palmeiras imperiais aonde uma multidão faziam um corredor para saudar o Imperador, incluindo os escravos da fazenda que estavam todos perfilados vestidos de branco. A multidão gritava:“ viva o Imperador!”, que marchava seguido pela banda da guarda nacional que tocava repetidamente o hino do Império.
Essa espetacular cena ficaria gravado na memória de todos os presentes como um dos acontecimentos mais marcantes da viagem imperial, com o desfile do monarca e sua comitiva pelo corredor de palmeiras, que tinha a sua esquerda o sólido e próspero engenho da fazenda Quissamã com suas imponentes torres de tijolinhos maciços, paredes brancas e pilares pardacentos; a direita o extenso conjunto de senzalas, armazém, hospital, estrebarias e serraria; e a frente a espetacular sede deste belo complexo fabril com o seu torreão e os sobrados ladeando o corpo central com sua romântica varanda, que anos mais tarde seria imortalizadas pela gravura de Victor Frond que aí esteve com Charles Ribeirolles para compor o livro Brasil Pitoresco.
Ao chegar ao belo jardim da sede da fazenda, uma enorme bandeira com as cores do Império tremulava freneticamente ao sabor do vento nordeste, que amainava o calor daquela agradável tarde do final de verão em Quissamã.
Aguardavam D. Pedro II na varanda do solar todo reformado para aquela grande recepção a Baronesa de Araruama, seus 10 filhos e um grande número de familiares e personalidades importantes da região para essa primeira acolhida do Barão à Sua Majestade Imperial. Depois das devidas apresentações e comprimentos, S.M.I. e sua comitiva foram conduzidos aos seus aposentos, ocupando toda a ala esquerda do sobrado do palacete que havia sido construído justamente para aquela ocasião.
Após um pequeno descanso foi servido um grande jantar para os convidados, minuciosamente programado pela governanta alemã contratada pelo Barão, que cuidava de todos os detalhes, desde as lousas, talheres e o menu, para que fossem impecáveis, digno dos melhores banquetes vistos na Corte do Rio de Janeiro. O Imperador e as figuras importantes ocuparam a sala principal, que estava magnificamente decorada com flores, formando um agradável ambiente composto com uma grande mesa de mogno e cadeiras na linda sala que fora recentemente ornada com papéis de parede que reproduziam cenas do tempo do Rei Luís Philippe da França, sendo num lado confidências de amor, no outro tratativas políticas e ao fundo um duelo, emprestando ao recinto um certo ar de Corte.
Depois do jantar um animado baile se instalou na sala de visitas, ao som da orquestra da guarda nacional que tocava animadamente para os convidados, que se divertiam dançando valsas e quadrilhas. D. Pedro II, no esplendor dos seus 21 anos, com seu porte altivo e belos cabelos louros, apesar de casado, despertava suspiros e admiração das mocinhas solteiras. O monarca não conseguia disfarçar o seu encanto especial por uma jovem filha do Barão de Araruama, a linda Rachel Francisca, que no florescer dos seus 13 anos já apresentava apetrechos que faria dela a mais bela das 6 filhas do anfitrião. A festa seguiu animadamente até à meia noite quando D. Pedro, cansado e satisfeito, se recolheu para os seus aposentos, sozinho.

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