Antonio Callado: 100 anos do homem que tinha fome de Brasil
25.01.2017 - 17:45
Fundação Casa de Rui Barbosa celebra centenário do nascimento de Antonio Callado em evento gratuito (Foto: Acervo FCRB) |
Durante sua estadia na Europa, Antonio Callado (1917-1997) descobriu uma "tremenda fome de Brasil". E essa fome foi tão grande que dedicou toda sua vida a refletir sobre a realidade do país. Sua obra foi permeada pelo interesse em revelar os meandros - muitas vezes obscuros - da vida brasileira. Entre seus livros mais importantes estão Quarup (1967), Bar Don Juan (1971), Reflexos do baile (1976) e Sempreviva (1981), que retratam o Brasil durante o regime militar, do ponto de vista dos opositores. O engajamento político lhe custou caro: foi preso duas vezes, uma em 1964, logo após o golpe militar, e outra em 1968, após o fechamento do Congresso com o AI-5.
Além de escritor, Callado foi jornalista, biógrafo e teatrólogo. Para celebrar a grandeza de sua obra, a Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB) realiza, nesta quinta (26), uma mesa-redonda com a presença de Tessy Callado e Ana Arruda Callado, respectivamente filha e viúva de Antonio Callado; e os pesquisadores Alcmeno Bastos, Eduardo Jardim e José Almino de Alencar. O evento marca o centenário da data de nascimento de Callado – 26 de janeiro de 1917. Na ocasião, serão apresentados aspectos relevantes da vida e da obra do escritor, que tem o acervo depositado no Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da FCRB.
De acordo com Alcmeno Bastos, a obra de Antonio Callado é fundamental na bibliografia brasileira. "Como professor de Literatura, embora eu saiba que a obra dele não se restrinja a esse campo, creio que o tempo vai cada vez mais consolidar Callado como romancista. A obra dele é uma ficção comprometida com a realidade, uma fonte importantíssima para conhecimento da época que ele viveu. É importante que promovam eventos, reeditem a obra dele, discutam seu legado", ressalta Bastos, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Como jornalista, Callado trabalhou para a BBC de Londres, entre 1941 e 1497, durante a Segunda Guerra Mundial. No regresso ao Brasil, atuou nos jornais O Globo, Jornal do Brasil, Correio de Manhã e na Folha de São Paulo. Pelo Jornal do Brasil, cobriu a Guerra do Vietnã, em 1968. A reportagem virou um livro, Vietnã do Norte – Advertência aos agressores. A entrevista realizada por Callado com o ex-governador Miguel Arraes, também durante o período que trabalhava para o Jornal do Brasil, rendeu outra obra literária, Tempo de Arraes – padres e comunistas na revolução sem violência, lançada em 1965. José Almino de Alencar, filho de Arraes, ainda era adolescente quando conheceu Callado, mas as lembranças são vívidas e boas.
"Callado é um personagem raro na vida brasileira, de grande dignidade. Nelson Rodrigues o chamava de ‘doce radical'. Ele sempre manteve contato com nossa família. Callado era de uma delicadeza extrema, além de gentil e irônico, um espécime da civilização que não se encontra mais tão facilmente. Ele teve um papel importante como intelectual público, quando falava, era ouvido. Identificado como opositor do regime, mantinha uma posição muito corajosa e discreta", ressalta Alencar.
Antonio Callado e Ana Arruda Callado: admiração e amor
Antes de conhecer Antonio Callado pessoalmente, Ana Arruda Callado já admirava as reportagens dele. Ela também era jornalista, com passagens pela Tribuna da Imprensa e Jornal do Brasil, entre outros veículos. Mas não foi uma matéria que os aproximou, e sim um livro, Bar Don Juan.
"Eu já tinha encontrado com ele antes, mas tinha certa timidez, ele era 20 anos mais velho que eu. Quando li Bar Don Juan, chorei muito, e comentei com um amigo em comum, o publicitário Armando Strozenberg, que havia me emocionado com o livro. Armando disse para eu ligar para Callado e falar isso, que ele ficaria feliz, já que o livro estava recebendo críticas. Eu liguei, conversamos, e ele me chamou para jantar", relembra a viúva, que se casou com o escritor em 1977.
Segundo Ana, o jornalismo contribuiu para que Callado conhecesse coisas e pessoas que o ajudaram a criar sua ficção. Engana-se quem acredita que ele deixava a esposa ver seus manuscritos. "Ele escrevia a mão, passava para a máquina de escrever, depois alguém digitava. Ele escondia completamente, não me mostrava! Só li antes Sempreviva, meu livro preferido, porque ele disse que não aguentava mais ler. O personagem era um torturador, e eu disse que tinha ficado até com medo de dormir com ele, depois de ler. Aí Callado ficou contente, porque a história tinha funcionado. Ele escrevia no escritório, e às vezes me chamava para ficar com ele. Eu trabalhava de um lado, e ele do outro, sem bater papo, em silêncio. Depois nós tomávamos uísque e víamos o jornal", revela.
Na avaliação de Ana, Callado não ficaria feliz com o país nos dias de hoje. "A obra dele tem o grande mérito de retratar o Brasil, que não mudou muito de lá para cá, infelizmente. Ele achou que ia surgir um novo Brasil depois da ditadura, mas não surgiu, continua com as mesmas mazelas", frisa.
Além do evento na Casa de Rui Barbosa, Ana conta que Callado será homenageado pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, no dia 04 de fevereiro, durante um seminário sobre o Brasil, com direito a exibição do filme Quarup. Deve ser lançado também, ainda esse ano, um documentário sobre o escritor, realizado pela cineasta Emília Silveira.
Serviço
Mesa-redonda "Centenário de Antonio Callado"
Data: 26/01/2017
Horário: 16h
Local: Sala de Cursos da Fundação Casa de Rui Barbosa
Endereço: Rua São Clemente, 134; Botafogo, Rio de Janeiro (RJ)
Telefone: (21) 3289-4600
Entrada: gratuita
Alessandra de Paula
Assessoria de Comunicação
Ministério da Cultura
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