sexta-feira, 31 de março de 2017

Chavismo sofre racha interno por ofensiva contra o Parlamento

VTV/AFP / HOCaptura de tela da emissora estatal VTV mostra a procuradora-geral Luisa Ortega, em Caracas, em 31 de março de 2017
A decisão do máximo tribunal venezuelano de assumir as funções do Parlamento, de ampla maioria opositora, provocou nesta sexta-feira um racha no chavismo depois que a procuradora-geral, Luisa Ortega, ligada ao governo, denunciou uma "ruptura da ordem constitucional".
Em uma inesperada virada das circunstâncias, Ortega condenou as duas sentenças através das quais o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) despojou o Legislativo de suas funções e os deputados de sua imunidade.
O bloco opositor denuncia que se tratou de um "golpe de Estado" e não reconhece o Tribunal Supremo.
"Nessas sentenças se evidenciam várias violações da ordem constitucional e desconhecimento do modelo de Estado consagrado em nossa Constituição (...), o que constitui uma ruptura da ordem constitucional", assinalou Ortega, muito ligada ao chavismo, durante um ato público.
Trata-se da primeira funcionária venezuelana de alto nível que critica a decisão do Tribunal Supremo.
"É minha obrigação manifestar ante o país minha grande preocupação por tal evento", enfatizou a Procuradora-geral durante uma audiência transmitida ao vivo pela TV estatal.
"A última sentença do TSJ é o pior ataque contra a democracia e Maduro não pode pretender que não haja efeitos na estrutura de poder. A procuradora, avalista da legalidade, deu um grande passo: isso significa o racha, senão o rompimento, da estrutura interna do poder chavista", afirmou à AFP o analista político Luis Salamanca.
As Nações Unidas se somaram nesta sexta-feira às críticas suscitadas pela decisão do TSJ. O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, pediu nesta sexta-feira ao Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela que "reconsidere sua decisão" de assumir os poderes do parlamento.
“Exorto firmemente à Suprema Corte que reconsidere sua decisão. A separação dos poderes é fundamental para que a democracia funcione", acrescentou Zeid.
Zeid disse estar atento ao envolvimento regional da Organização de Estados Americanos (OEA) na situação da Venezuela.
Estados Unidos, União Europeia, Canadá e vários países latino-americanos (Brasil, Colômbia, Chile, Peru, Argentina, México, Panamá e Guatemala) também denunciaram a decisão da corte venezuelana.
O Peru retirou seu embaixador de Caracas e Chile e Colômbia convocaram seus diplomatas para consultas.
AFP / Nicolas RAMALLO, Gustavo IZUSO governo de Nicolás Maduro
Já o chefe da OEA, Luis Almagro, pediu formalmente nesta sexta-feira ao Conselho Permanente que convoque uma sessão de emergência para avaliar a crise política na Venezuela, conforme o artigo 20 da Carta Democrática Interamericana.
Em uma nota entregue ao presidente do Conselho e postada no site da Organização de Estados Americanos, Almagro disse que esse artigo da Carta atribui a ele a possibilidade de convocar a sessão para fazer uma avaliação coletiva da situação na Venezuela e adotar as decisões que achar conveniente.
O artigo 20 da Carta estabelece que a OEA aja em caso de "alteração da ordem constitucional" em um país-membro.
A Argentina, por sua vez, convocou para este sábado uma reunião urgente de chanceleres do Mercosul para analisar a situação.
"Ante a grave situação institucional na República Bolivariana da Venezuela, os integrantes do Mercosul resolveram convocar uma reunião urgente de chanceleres no sábado para analisar possíveis vias de solução", afirma um comunicado oficial.
"É falso"
Em meio à tensão crescente, a chanceler venezuelana Delcy Rodríguez suspendeu um ato em que expressaria, nesta sexta, seu apoio às decisões do TSJ. Os motivos não foram informados.
Mas o governo da Caracas negou que tenha sido dado um golpe de Estado no país.
"É falso que tenha sido consumado um golpe de Estado na Venezuela. Pelo contrário, as instituições adotaram corretivos legais para deter a desviada e golpista situação dos parlamentares opositores declarados abertamente em desacato em relação às decisões do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ)", assinalou a chancelaria em um comunicado.
O texto rejeitou a onda de condenações internacionais à sentença do TSJ, considerando-as "um ataque dos governos de direita intolerante e pró-imperialista (...) dirigido pelo departamento de Estado e os centros de poder americanos".
Mais cedo, Rodríguez também denunciou uma "campanha histérica" dirigida pelos Estados Unidos e que envolveria governos de direita para desestabilizar Maduro.
O presidente mantém silêncio sobre a crise desatada.
O TSJ alega que a câmara se encontra em atitude de "desacato" pelo juramento de três deputados indígenas da oposição, cuja eleição foi anulada pela justiça por uma suposta fraude.
A oposição, enquanto isso, organizou para esta sexta protestos de rua em Caracas para fazer convocação de eleições gerais, que Maduro descarta totalmente.
"Faço uma convocação às ruas com um único foco: desconhecer a ditadura e resgatar a democracia através do voto", declarou via Twitter o opositor Leopoldo López que se encontra preso. O deputado Diosdado Cabello, um dos principais líderes do chavismo, pediu na quinta-feira a seus seguidores que se preparem para "defender" nas ruas a Venezuela diante de uma eventual intervenção militar estrangeira.
AFP / Juan BarretoAtivistas da oposição manifestam-se em Caracas
"Vamos nos preparar para defender o país (...), para defender, inclusive, as pessoas da oposição, que está como louca pedindo que um Exército intervenha na Venezuela, que a Organização dos Estados Americanos (OEA) intervenha", disse Cabello em um comício em Monagas.
Protestos
Um grupo de estudantes universitários marchou cedo até a sede do TSJ e confrontou militares que impediram sua entrada no tribunal. Seus líderes denunciaram detenções e agressões contra manifestantes e jornalistas.
Dois estudantes e um jornalista foram detidos durante o protesto. Andrés Oliveros e Rafael Álvarez, da Universidade Central da Venezuela (UCV), e Andry Rincón, cinegrafista do canal digital Vivo Play, se encontram em poder dos militares, segundo Alfredo Romero, diretor da ONG Foro Penal.
Para sábado foi convocada uma manifestação na capital.
Segundo a analista Elsa Cardozo, o desafio da oposição é capitalizar a rejeição internacional, que ampliou sua "margem de manobra para dar legitimidade aos pedidos de eleição e libertação de presos políticos".
As eleições presidenciais estão previstas para dezembro de 2018, enquanto que os governadores, que deveriam organizar votações até o final do ano passado, as adiaram sem data determinada.

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