terça-feira, 1 de julho de 2014

A poesia do futebol: como grandes poetas viram a paixão nacional



A estátua de Drummond em clima de Copa
A estátua de Drummond em clima de Copa
Os poemas abaixo foram publicados no site Planeta Jota.
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Carlos Drummond de Andrade
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Meu coração no México
Meu coração não joga nem conhece
as artes de jogar. Bate distante
da bola nos estádios, que alucina
o torcedor, escravo de seu clube.
Vive comigo, e em mim, os meus cuidados.
Hoje, porém, acordo, e eis que me estranho:
que é de meu coração? Está no México,
voou certeiro, sem me consultar,
instalou-se, discreto, num cantinho
qualquer, entre bandeiras tremulantes,
microfones, charangas, ovações,
e de repente, sem que eu mesmo saiba
como ficou assim, ele se exalta
e vira coração de torcedor,
torce, retorce e se distorce todo,
grita: Brasil! Com fúria e com amor.
(9 de maio de 1970)
Futebol
Futebol se joga no estádio?
Futebol se joga na praia,
futebol se joga na rua,
futebol se joga na alma.
A bola é a mesma: forma sacra
para craques e pernas-de-pau.
Mesma a volúpia de chutar
na delirante copa-mundo
ou no árido espaço do morro.
São vôos de estátuas súbitas,
desenhos feéricos, bailados
de pés e troncos entrançados.
Instantes lúdicos: flutua
o jogador, gravado no ar
- afinal, o corpo triunfante
da triste lei da gravidade.
(In Poesia errante)
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João Cabral de Melo Neto
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Futebol brasileiro
A bola não é a inimiga
como o touro, numa corrida;
e, embora seja um utensílio
caseiro e que se usa sem risco,
não é o utensílio impessoal,
sempre manso, de gesto usual:
é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mão.
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Paulo Mendes Campos
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Círculo vicioso
Bailando sem jogar, gemia o Macalé:
- Quem me dera que fosse o preto Moacir,
que vive no Flamengo, estrela a reluzir!
Mas a estrela, fitando em Santos o Pelé:
- Pudesse eu copiar o bom praça de pré,
um cobra que jamais encontrará faquir,
sempre a driblar, a ir e vir, chutando a rir!
Porém, Pelé, fitando o mar sem muita fé:
- Ah se eu tivesse aquela bossa de tourada
que faz de qualquer touro o joão de seu Mané!
Mas o Mané deixando, triste, uma pelada:
-Pois não troco Pau Grande por Madri, Pelé,
e mesmo o Botafogo muito já me enfada…
Por que não nasci eu um simples Macalé?
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