sábado, 29 de março de 2014


Tradicional Bar Luiz escapa de ser despejado da Rua da Carioca

Prefeitura do Rio comprará imóvel do Opportunity, mas outras lojas estão ameaçadas

ANGÉLICA FERNANDES
Rio - O coração que pulsa há um século na Rua da Carioca quase parou de bater. O emblemático Bar Luiz estava sob ordem de despejo — por não ceder ao contrato imposto pelo novo dono do imóvel, o Grupo Opportunity, que exigia quase o triplo do aluguel —, mas nesta sexta-feira foi salvo. Em nome da tradição, a prefeitura decidiu comprar o imóvel e manter o valor antigo do aluguel.
Natal, 61 anos, observa a Rua da Carioca de dentro do Bar Luiz: há 25 anos na casa, ele diz que o estabelecimento representa a alma da cidade
Foto:  José Pedro Monteiro / Agência O Dia
“Os clientes daqui não deixariam a gente ir embora. Somos a memória da cidade”, comemora um dos garçons mais antigos do Bar Luiz, João Natal, de 61 anos. Além do restaurante boêmio, outros 17 imóveis foram comprados pelo Opportunity, há um ano, da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência.
Na época, todos os contratos de locação foram refeitos, mas a maioria dos comerciantes não aceitou o reajuste do aluguel. Por conta disso, mais de dez estabelecimentos estão na fila dos despejos e podem sair de cena a qualquer momento.
“Queremos que a Prefeitura do Rio desaproprie todos os imóveis comprados pelo Opportunity. Ela precisa conservar a história da cidade e não pode deixar que destruam nosso patrimônio”, declara Roberto Cury, presidente da Sociedade dos Amigos da Rua da Carioca.
Indignado com a compra, Cury também acionou o Ministério Público para acompanhar o caso, no ano passado. “O grupo deveria dar prioridade de compra aos comerciantes e não deu”, completa Roberto. O MP informou que o processo está em andamento.
Prédios da Rua da Carioca vendidos pela Igreja a grupo financeiro enfrentam despejos
Foto:  José Pedro Monteiro / Agência O Dia
A Vesúvio, loja de sombrinhas e guardas-chuvas, e a Irmãos Castro, que vende malas e materiais de construção, são dois dos dez comércios que estão na mira de despejo imposta pelo grupo Opportunity. Em 2013, ambos foram tombadas pela prefeitura.
“Eles (o Opportunity) estão me cobrando R$ 35 mil de aluguel, sendo que eu pago R$ 10 mil. Tentei negociar, mas estão irredutíveis e disseram que é para eu me preparar para fechar as portas”, conta Henrique Cardoso, dono da Irmãos Castro, que tem mais de 45 anos de tradição no mercado.
Guitarra de Prata teve que fechar portas e recolher violões e cavaquinhos
A clássica vitrine de madeira e o carpete na porta com a inscrição ‘A guitarra de Prata’ não existem mais desde o início deste mês. A loja de instrumentos musicais, no número 37 da Rua da Carioca, foi a primeira a fechar as portas após ordem de despejo do Grupo Opportunity.
De acordo com o Roberto Cury, presidente da Sociedade da rua, o aluguel teria dado um salto de R$ 7 mil para R$ 15 mil. “Eles não aguentaram. Em breve vão abrir uma loja bem menor do outro lado da rua”, explicou Roberto. Até lá, a Guitarra de Prata, que já teve clientes como Dorival Caymmi, fará atendimento pela internet.
Faixa em frente à antiga Guitarra de Prata, que terá novo endereço
Foto:  José Pedro Monteiro / Agência O Dia
Bem próximo à loja de violões, o restaurante self-service Catarota, no número 47, sobrevive à espera de uma negociação com o Opportunity. “Acho que vamos fechar um preço de aluguel que atenda a nossa realidade. O que eles queriam no início era absurdo, R$ 70 mil por mês”, declara o proprietário do Catarota, Felipe Rios.
O Grupo Opportunity, que é conduzido pelo executivo Daniel Dantas, já envolvido no escândalo do Mensalão, comprou os imóveis da Rua da Carioca, juntamente com outros 22 endereços, por R$ 54 milhões.
História de boemia e mesa farta
Nas mesas de madeira do salão de mais de 100 metros quadrados do Bar Luiz, já se sentaram personalidades como Leonel Brizola, Nelson Gonçalves, Paulinho da Viola e Sérgio Cabral. Ao longo de sua história, clássico prato do bar, o Alemão, que leva salsichas, chucrute e salada de batata, tem sido o campeão de pedidos. “A Dercy reclamava à beça quando o dela vinha frio”, relembra o garçom João Natal. Atualmente, em sua cartela de clientes estão nomes como Zeca Pagodinho e Ziraldo.
Com 127 anos, o bar coleciona títulos de bem tombado e patrimônio imaterial, por conta de sua atividade econômica financeira. “Mesmo se mudar de proprietário, o bar sempre deverá ser um bar. Aqui não pode ter outro negócio”, aponta o gerente do Luiz, Jurandir Gomes, que está há mais de 30 anos no cargo e comanda dez garçons diariamente.

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