sábado, 1 de março de 2014

Despojados

Publicado em 27/02/2014


André Uébe
Administrador, professor, DSc

Desde que ouvi falar de Hermeto Pascoal, músico e compositor poli-instrumentista nordestino, passei a admirar o seu talento genial: o dom de tirar música de qualquer objeto - desde flauta transversa, acordeom a coisas exóticas como a barriga de um porco vivo ou abelhas. A minha surpresa, foi conhecer em recente entrevista à revista Serafina, suas declarações sobre o que pensa de estar vivo: "Não sou rico porque não quero. A maior riqueza que você pode ter na vida é sua vontade de fazer as coisas, e fazer". 

Abrir mão de acumular riquezas pessoais é um desafio de vida que a maioria das pessoas não se dispõe pois, o dinheiro sempre nos parece como indispensável. Mas ainda que o seja, o dinheiro não pode ser essencial. 

O dinheiro se torna indispensável a quem não deseja se tornar totalmente excluído do atual sistema econômico financeiro. Não se vive, ainda, sem o dinheiro pois, o ser humano necessita de recompensas para se motivar e o dinheiro se torna o meio mais rápido de se ter estas recompensas (apesar de não ser a única nem a melhor maneira de se recompensar). Porém, o dinheiro (acumulo pessoal de bens) não pode ser essencial, ou seja, não deve ser a razão principal do nosso agir ou do nosso existir.

O acúmulo de riquezas como uma prioridade, sem refletir que a riqueza pode ser conquistada de maneira individual (pelo indivíduo) mas, não de maneira individualista (unicamente para o indivíduo). Ou seja, devemos lutar pelo o que é nosso mas, não unicamente para nós. 

Existem várias maneiras de justificar esta afirmação: espiritualista, sociológica, biológica... Gosto especialmente da que nos traz a seguinte conclusão: as espécies vivas que mais evoluíram foram as que melhor conseguiram um equilíbrio entre viver para si, viver com o outro e viver para o outro. 

O acúmulo de bens nos traz segurança em um mundo onde aparentemente, ninguém cuida de nós. Logo, nada mais justo que buscarmos os meios que possamgarantir nossa sobrevivência. E acumular riquezas nos parece o mais sensato. Mas, e se começássemos a perceber que o mundo está deixando de ser, assim, tão hostil? Será que nos sobraria tempo para pensar e cuidar do outro? 

Poderíamos até imaginar um banco onde se guardasse cuidado ao invés de dinheiro. Nele, as pessoas poderiam depositar um tempo disponível para cuidar dos outros e sacar um tempo que os outros depositaram no tal banco. Um banco de cuidados coletivos.. Seria possível?

Existe uma cena do filme "ET - O Extraterrestre", de Spielberg que sempre me chamou atenção: como o ET começa a definhar e morrer quando perde a esperança de voltar para casa. E esta cena me remete ao que Hermeto falou sobre a maior riqueza na vida ser a vontade de fazermos as coisas: Sim, quando perdemos esta vontade, parece que o dom da vida nos escapa facilmente.

Logo, somos nós mesmos o limite para o nosso fazer. Mas, ao fazer não podemos ser o limite para a extensão deste fazer pois, a nossa fartura é a escassez para o outro e na vida, não há lugar para desequilíbrios. 

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